Jussara Freire – 27/04/2018 – Redação UàE
Depois de praticamente um empate no primeiro turno entre os candidatos à Reitoria Ubaldo Cézar Balthazar e Irineu Manoel de Souza, o segundo turno foi vencido por Ubaldo com 56,1976% de votos, enquanto Irineu alcançou 43,8024%.
Pode-se dizer que a vitória de Ubaldo se deu em todas as categorias da Universidade, até mesmo nos TAE’s. Pois uma diferença tão pouco significativa nos números que colocaram Irineu à frente neste segmento está longe de expressar uma vitória a esse candidato.
Contudo, quando olhamos para a distribuição dos votos entre os Centros de ensino, o caráter desse resultado deixa um outro tipo de questão em evidência: A Universidade, novamente, se vê dividida em diferentes lados de um córrego, que opõem ciências humanas e tecnológicas. Nos Professores e Estudantes, é possível perceber claramente a votação polarizada entre os dois candidatos nas diferentes áreas de conhecimento.
O que isto significa?
No texto em que José Braga analisava a candidatura de Edson de Pieri, este elemento já vinha sendo apontado, dentro do argumento de que o projeto de Universidade defendido por De Pieri, se traduzia na conformação de toda a UFSC aos padrões de operação que infelizmente imperam no Centro Tecnológico, a saber: A lógica da prestação de serviços, que desconsidera a diversidade na produção de conhecimentos e estreita eles para o âmbito da pesquisa aplicada e pesquisa do desenvolvimento de produtos. O exemplo maior poderia ser observado na proposta de sujeição dos TCCs, monografias de Especialização, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado à lógica de um balcão de negócios do empresariado.
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Esta forma de operação da Universidade descaracteriza o papel científico e intelectual do amplo escopo de conhecimentos que são produzidos nas ciências humanas. Elas resistem em longa tradição na tentativa de impor marcos únicos para a produção de conhecimento, não tem como ser diferente disso em seus propósitos e princípios. A produção de conhecimento de história, filosofia, ciências sociais, entre outras áreas estão distantes de representar os interesses de uma instituição à disposição dos negócios e não nos falta exemplo disto quando olhamos para o que estão fazendo com o ensino básico nesse país.
Estamos entrando, mais uma vez, em um momento onde a disputa feroz de verbas, coloca as ciências humanas no campo da precarização e mera decoração cultural, enquanto as exatas ficam com o grosso dos recursos. A forma como a disputa e a manifestação dos votos se deu nesta eleição, expressa a face desta trágica realidade para nós.
Como apontado no texto de Carlos Gouveia, a categoria que poderia ter feito a diferença no resultado dessas eleições era a categoria estudantil. Isso porque, enquanto os professores e técnicos haviam participado em peso do primeiro turno e suas posições já estavam demarcadas na comunidade acadêmica, a maioria dos estudantes estava ausente desse processo.
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Contudo, a conquista desta categoria, exigiria que o próprio Comitê de Campanha de Irineu se atentasse àqueles 70% que não participaram do primeiro turno. Que se perguntasse o que não levou esses estudantes às urnas e em um segundo momento poderia levar. Exigiria um movimento diferente do de acreditar que a prioridade era disputar os votos que já tinham uma escolha. E não qualquer escolha, mas sim a de um projeto diametralmente oposto do defendido por Irineu no primeiro turno, longe do horizonte de uma UFSC necessária e para todos.
Dessa forma, ainda que De Pierri não tenha disputado o segundo turno, o seu projeto de Universidade, o projeto que representava claramente a divisão da Universidade em dois lados do Córrego, ainda teve espaço para se expressar nas urnas no dia 11 de abril, ainda que para eleger Ubaldo, o qual, no primeiro turno, havia recebido menos votos que Irineu naquele centro. E isso não se deu porque o próprio Irineu não foi capaz de manter convicção e firmeza nos pontos fundamentais que defendeu no primeiro turno. Mas sim, porque a escolha daqueles estudantes já havia sido feita, a polarização já estava dada e tentar revertê-la priorizando o Centro onde ela age da forma mais radical em oposição ao seu projeto, não só não foi capaz de acumular nada de novo para a candidatura de Irineu, como teve o efeito contrário: deu campo para que as propagandas de baixo nível que colavam a necessidade de se pensar uma UFSC para todos como uma ameaça de esquerda rondando a Universidade, pudessem tomar o imaginário desses estudantes e os levassem às urnas para votar contra Irineu.
Isto quer dizer que estes estudantes não tenham de ser disputados? Não, isso quer dizer que, nos últimos dias de campanha, reforçar uma UFSC que se volta a um só Centro e toma esse como a expressão de toda a Universidade, faz com que isso seja significado nas urnas. Enquanto isso, o projeto de que esta é uma instituição com uma série de áreas de conhecimento e que nela cabem todos eles, desde que alinhados aos princípios da Universidade Pública, acabou por pouco considerar as possibilidades de abranger e conquistar aqueles que por algum motivo não estavam envolvidos com o processo eleitoral. Por pouco compreender se estes sentem e como sentem, os duros efeitos que os rumos unilaterais tem oferecido para nós.
As preocupantes condições em que o cenário da Universidade se apresenta após essas eleições, não são próprias deste processo. Elas nos dizem sobre uma falta de imaginação política que já nos segue há tempos e que rapidamente sufoca as mínimas possibilidades de fazer algo diferente no terreno árido das políticas de fracasso. Se nossa instituição se vê de volta aos tempos da velha política, é um grave sintoma de como estamos em falta com o zelo pela sua memória e pelos aprendizados que a história têm a nos dar. Hoje, o movimento estudantil, TAE’s e docentes, todos nos encontramos na quase que absoluta miséria política.
Ainda que se possa parecer que muita coisa acontece, onde efetivamente esses eventos têm nos levado? Desde o início da Operação Ouvidos Moucos, nenhum setor foi capaz de exigir e formular alternativas para combater os processo fraudulentos das fundações, de fazer qualquer coisa mais avançada do que aguardar os próximos relatórios e denúncias da Polícia Federal. A questão da falta de moradia é resolvida com a possibilidade dos estudantes em situação emergencial serem jogados em um terreno contaminado com óleo cancerígeno no Sul da Ilha e terem de enfrentar o trânsito cotidiano para talvez conseguirem chegar no horário de suas aulas. A pauta das 30 horas dos TAE’s foi fragmentada e o amplo debate sobre jornada de trabalho foi transformado em concessões setoriais, prometidas e liberadas conforme a conveniência da Administração Central. Não há debates capazes de responder os dilemas do papel da ciência e da captação de recursos na Universidade hoje.
Não é mais possível, de forma alguma, seguir repetindo esses erros sem que se pague um preço político alto por isso e que reverbere para todos nós. Hoje, o futuro da Universidade Pública é incerto e uma nova rodada de ataques está por vir, é questão de tempo. Se não formos capazes, de, no mínimo, tirar lições políticas sérias de todo esse processo, não há como ter esperanças para o amanhã.