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UFSC: Uma decisão contra o povo catarinense

Imagem: Portinari – Carregadores de café, 1960, guache sobre papel

José Braga* – Redação UàE – 17/07/2020

 

Hoje (17/07), o reitor Ubaldo Balthazar deve conseguir aprovar o ensino à distância na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A discussão está sendo realizada pelo Conselho Universitário (CUn) da UFSC hoje durante todo o dia. Se aprovado a adesão à substituição das atividades de ensino obrigatórias para o modelo a distância, essa será uma decisão antiuniversitária. Porém, seus efeitos não serão apenas internos: trata-se de uma decisão contra o povo catarinense.

Na sessão do CUn de hoje, a maior parte dos conselheiros é favorável à medida proposta pelo reitor sobre a adesão ao ensino remoto/à distância. Como ficou patente na reunião anterior do Conselho que discutiu a matéria, poucos são os conselheiros que se manifestaram em contrário. Nenhum diretor dos centros de ensino teve posição contrária, mesmo muitos daqueles que poderiam ser identificados como críticos, têm discutido apenas a administração do ensino remoto (em quais termos, ou quais condições pode-se reduzir danos).

Em relação a diferença entre ensino à distância e o ensino remoto, essa é uma pequena parte de todo o debate. Do que é tratado no texto, considera-se que a diferença entre o ensino remoto do ensino à distância é apenas seu caráter de excepcionalidade. Portanto, não há grande diferença, a não ser pela nomenclatura e pelo momento de aplicação.

É assombroso que num momento marcante de nossa geração que é o da pandemia de COVID-19, uma crise sanitária gravíssima que catalisou uma crise econômica de proporções enormes, a Universidade disponha suas energias a discutir a retomada de atividades via ensino à distância. Ela pode muito mais do que isso.

Ao invés de dispender energias debatendo o retorno das aulas nas disciplinas curriculares, professores e estudantes poderiam estar se debruçando sobre formas de enfrentamento a pandemia e a crise que aflige nossa sociedade. Muitas são as questões a serem enfrentadas por nós e a Universidade tem uma contribuição que pode ser decisiva, que poderia ser realizada por professores e estudantes em atividades não obrigatórias de pesquisa e estudo.

Um conselho superior universitário deveria expressar o mais alto debate intelectual e político sobre seu destino, e servir como um freio às políticas de suas reitorias. Inclusive poderia insistir na questão de quais são os motivos das pressões que tem sofrido para que adote essa medida. Pressões feitas às universidades por todo país, e na UFSC não é diferente.

 

Qual a urgência de retorno?

Em Santa Catarina, as pressões que a UFSC e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), sofrem pelo retorno remoto por parte dos empresários do estado e sua mídia respondem a um interesse ainda inconfesso. Trata-se de resolver um problema para a continuidade de suas operações: os filhos dos trabalhadores. Afinal, o fato de as escolas ainda estarem fechadas significa às classes dominantes que há dificuldades na disponibilização de sujeitos como força de trabalho para os serviços que demandam os empresários.

O empresariado precisa que as aulas presenciais retornem na educação infantil e básica para que os proletários possam estar livres dos cuidados com os filhos e o mais disponíveis o possível para a exploração do trabalho. Essa é uma necessidade constante, e que com a quebra produzida pela pandemia se tornou urgente. Mas, este é um problema que não se resolve (apenas) pela força, com a exigência de retorno presencial. Os trabalhadores são sempre muito sensíveis aquilo afeta as crianças e adolescentes. E neste momento tem toda a razão de se preocupar: a possibilidade de contágio e risco de morte é alto.

Para resolver isso, a burguesia está buscando criar um clima geral na sociedade de caminhada rumo a normalidade. Sua política parece se desenvolver em etapas. Dando o primeiro passo com o ensino à distância (muitas vezes até na educação infantil), retomando um senso de retorno à rotina usual. A quebra no cotidiano produzida pelo novo coronavírus precisou ser amenizada por alguma “normalidade” para que se possa exigir o retorno presencial.

Mas, os grandes empresários têm pressa. E não podem esperar muito mais pra que tudo volte a ser como era, seus lucros e prejuízos estão em jogo. Por isso, precisam acelerar a mudança da primeira para segunda etapa. Precisam que urgentemente que o conjunto da sociedade possa entrar no clima. E é aí que entra sua pressão para a retomada nas universidades e a política da reitoria da UFSC.

O “novo normal” defendido pelo reitor chancelará a política de etapas da burguesia catarinense e ajudará a preparar o clima para o retorno presencial nas escolas. Com a universidade procurando a sua normalidade, todos podem se sentir livre para fazê-lo. Pois, se inclusive a instituição mais crítica  (e a universidade ainda o é, apesar dos setores internos que a querem uma mera repartição) irá se adaptar, que importa que outros o façam?

O ensino remoto na UFSC é uma parte significativa do caldo que o empresariado catarinense quer criar para o retorno das aulas presencias na educação básica e infantil. Este é um dos principais motivos para que a mídia local tenha sido tão incessante nos ataques.

Evidente que há outros interesses em jogo. Há empresas cujo desenvolvimento de produtos e processos dependem de laboratórios da universidade e que dependem em larga medida do trabalho de pós-graduandos e graduandos; portanto, temem uma interrupção dessas atividades. Há interesses também fortes que dizem respeito ao mercado de educação superior no país e o processo de oligopolização que pode sair fortalecido da crise.

E há também interesses políticos. Estamos em ano de eleições municipais, e como os partidos farão suas campanhas e botarão suas máquinas eleitorais em ação sem que as pessoas estejam nos locais de trabalho, ou se sintam à vontade de recebe-los em seu bairro, etc. Para a direita isso é importante; porém há também setores identificados com a esquerda que convenientemente podem se aproveitar desse retorno à “normalidade”. Esse é um determinante não apenas nas cidades em que a UFSC está presente, porque trata-se de criar a imagem de que uma normalidade é possível por todo o estado

Entretanto, não há nada de normal. Mais de 70 mil brasileiros já morreram em decorrência da contaminação por COVID-19. Mais de 500 mil pessoas no mundo. Eram trabalhadores como todos nós, com sonhos, laços e vida a viver. É a sua morte que se autoriza com a busca pela normalidade – é possiblidade da morte de muitos mais trabalhadores, seus familiares, filhos e amigos que tenta se normalizar.

Neste sentido, a decisão da UFSC pelo ensino remoto pode ser não só contra sua comunidade universitária, mas contra todo o povo catarinense. Poderá auxiliar a colocar em risco os trabalhadores catarinenses e seus filhos. E é com isso, ainda mais profundamente antiuniversitária.

 

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.

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