[Opinião] APUFSC contra a Reforma Administrativa: corporativismo nos moldes institucionais

Imagem: Montagem UàE – Fotos: Divulgação da APUFSC e Quadro “Manifestacíon (1934)”, de Antonio Berni

Caio Sanchez – Redação Ufsc à Esquerda – 05/05/2021

Na última sessão do Conselho Universitário (CUn) da UFSC, que ocorreu na terça-feira (27/04), a Apufsc-Sindical, Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina, realizou uma apresentação acerca das atividades realizadas pelo sindicato para combater a Reforma Administrativa. Foi apresentado um estudo sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020 realizado por um grupo de trabalho do sindicato. Tal como tem sido de praxe nas tentativas de mobilizações promovidas pela entidade, as ações e argumentos até agora foram marcados pelo forte apelo institucional, bem como pela defesa exclusivamente corporativa dos servidores públicos frente à proposta.

O argumento desenvolvido pela diretoria e grupo de trabalho do sindicato ao longo da exposição possui dois eixos importantes. O primeiro diz respeito ao porquê o sindicato pensa ser importante os servidores públicos lutarem contra a reforma. O segundo, toca nas estratégias de luta. Ainda que seja importante discutir sobre o tema com a categoria e convocar os servidores para a luta, as posições defendidas pela APUFSC parecem direcionar essa luta para caminhos equivocados.

Por que a Reforma Administrativa deve ser combatida?

Na sessão do CUn foram expostos os eixos considerados graves da PEC/32/2020: o fim da estabilidade, a ampliação de contratos temporários e cargos comissionados e a restrição de direitos dos servidores. De fato, esses eixos são bastante significativos, mas, ao nosso ver, não pelos motivos alegados pelo grupo de trabalho na sessão.

Segundo a exposição, esses ataques aos servidores públicos seriam duros porque o funcionalismo é um setor importante para a sociedade, já que ele seria responsável pela oferta de serviços públicos. Ainda que muitos servidores sejam valiosos pelos seus serviços prestados à sociedade, ao nosso ver, esse argumento é frágil por duas razões. 

A primeira, é que ele pode ser combatido de forma reacionária, por meio da defesa de que estes podem ser substituídos por trabalhadores com outra forma de vínculo sem prejuízo para a qualidade do serviço prestado. Neste argumento, é preciso deixar mais evidente a relação íntima entre a qualidade do serviço e o vínculo de trabalho. Ou seja, não tanto pelo o quê é feito, mas sim, pelo tipo de trabalho que é possível ser realizado a depender das condições de trabalho.  

Em segundo lugar, destacar os servidores como uma casta especial de trabalhadores, desvinculando-os enquanto categoria dos demais setores da classe, sem reconhecer sua profunda conexão com os setores mais precarizados dos trabalhadores, resulta em uma posição corporativista, e não classista. Esta é aqui entendida como a defesa de determinadas lutas apenas na medida e nos limites dados pelos seus próprios horizontes particulares mais imediatos. Neste caso, a posição sustentada pela APUFSC de que a Reforma Administrativa deve ser combatida pelo conjunto da sociedade porque os servidores públicos são importantes não é suficiente para demonstrar a pertença dos servidores ao conjunto dos trabalhadores.

Testemunho do corporativismo dessa luta travada pela APUFSC foi a crítica à PEC por conta da possível perda de liberdade de crítica no interior das universidades públicas, já que docentes poderiam ser substituídos por professores sob contrato temporário, o que dificultaria as pesquisas e o exercício docente. Este argumento, apesar de pertinente, é bastante sorrateiro ao ser pronunciado por uma entidade com a trajetória da APUFSC. Apenas para relembrar os fatos mais recentes, ela feriu a autonomia de programas de pós-graduação frente às decisões acerca do Ensino remoto, foi contra a enorme greve feita em 2019 contra o Future-se e mobiliza um processo judicial contra um importante sindicato nacional. Falar em autonomia de crítica com esse histórico é, no mínimo, indecoroso. 

O sindicato também ressaltou um ponto importante da Reforma Administrativa. Uma parte dos servidores públicos, o dito “alto escalão”, ficará de fora da PEC e persistirá com padrões de direitos que poderão se tornar exclusivos deste grupo privilegiado. Ainda que a crítica feita pela APUFSC seja válida, ela somente encontrará força argumentativa quando o sindicato abrir mão de seu papel “administrativo” na universidade e da defesa corporativa do funcionalismo público, passando assim, a se comportar como classe.

O que fez a APUFSC quando a Reforma Trabalhista foi aprovada em 2017? Que tipo de recursos um sindicato com um caixa tão robusto mobiliza para apoiar o Breque dos apps? Ou ainda, o que tem feito a entidade para mobilizar os professores na luta pelas bolsas na pós-graduação? É no mínimo curioso que a personificação da burocracia universitária venha a público solicitar apoio para combater a Reforma Administrativa quando nunca deu um sinal de solidariedade de classe com os demais trabalhadores.

Durante a sessão do CUn, a conselheira Camilla Amorim buscou apontar alguns elementos que direcionassem a APUFSC em direção à solidariedade de classe. Nas palavras dela:

A reforma administrativa não atinge apenas os servidores públicos, ela é uma reestruturação da forma de trabalho mesmo (…). Nesse sentido, a aprovação da Reforma Administrativa de fato vai afetar o trabalho de todos os trabalhadores, e esse é um desafio dos servidores, de mostrar a todos os trabalhadores, que rebaixar o serviço público, vai ser rebaixar as condições de trabalho em geral, e demonstrar que a gente está muito mais perto do trabalhador precarizado do que do procurador (…) é muito importante para poder fazer essa fala com os trabalhadores em geral (…). Não vai ser em conversas parlamentares ou nos espaços burocráticos que isso vai mudar. Se não tiver força efetiva, nas ruas, a gente está fadado ao fracasso. É importante que se tenha isso como horizonte, que é uma luta para todos nós

Esse argumento levantado pela conselheira Camilla é extremamente importante para evitar esses caminhos que têm sido tecidos pela APUFSC. Ao atacar um dos poucos extratos de trabalhadores que ainda possuem estabilidade laboral, sindicatos organizados, férias remuneradas, entre outros direitos, a Reforma visa ressignificar os padrões gerais da relação capital-trabalho no Brasil. Na esteira de duros golpes à classe trabalhadora – como a Reforma Trabalhista (2017) e Reforma da Previdência (2019) –  a Reforma Administrativa reajusta a força de trabalho a esse padrão de reprodução do capital que estabelece relações de trabalho marcadas pela instabilidade, pela intensificação da jornada, ausência de garantias, dificuldades de organização sindical, entre outras. É um ataque gigante porque põe fim ao último setor da classe trabalhadora que ainda possui acesso a direitos trabalhistas. Sua aprovação enterra no passado todos esses elementos que reconhecemos como direito dos trabalhadores. 

Sendo assim, a Reforma Administrativa não deve ser combatida pela razão de os os servidores públicos serem um setor particularmente importante para a vida em sociedade, mas sim, porque o vínculo laboral que eles estabelecem com o Estado ainda permite fazer presente, na relação capital-trabalho, esse conjunto de dispositivos legais que regulam a vida laboral, conquistados como direitos dos trabalhadores.

A brutalidade desta proposta é tão grande que provavelmente poucos dirigentes políticos teriam a coragem de apresentar algo desta magnitude. Se aprovada, a proposta leva à cabo, em apenas um documento, o que vem sendo gestado há anos para adequar o sentido geral da classe trabalhadora em território brasileiro. E justamente por ser algo tão grande, nos leva a nossa segunda crítica em relação à APUFSC: as estratégias de luta. 

Os limites da institucionalidade

Como forma de combater a PEC, o sindicato tem feito ciclos de debate, levando esta apresentação aos centros e departamentos da universidade, como fez no CUn. Desta forma, a APUFSC tem limitado seus horizontes aos moldes institucionais e ao público universitário. Esta entidade nem mesmo se empenha nas ações coletivas com outros sindicatos do funcionalismo, limitando-se muitas vezes aos professores. Na própria sessão do CUn, diversos conselheiros defenderam propostas nos moldes da APUFSC, buscando direcionar as lutas para instâncias parlamentares. 

A discussão no CUn sinaliza uma importante pauta, mas ela deve ser feita pelos movimentos, e não limitado à “gestão” universitária. O comprometimento do debate apenas no limite dos espaços institucionais, sem esforços para criar espaços reais de mobilização, ou ainda que um primeiro passo, uma assembleias da própria categoria, demonstra a limitação nos seus horizontes de luta. 

Se levarmos em conta o argumento anterior, de que a Reforma Administrativa produz efeitos para toda a classe, o mínimo que se espera de um sindicato é que ele conduza uma luta dos professores enquanto classe, e não, tal como tem sido, dos professores enquanto um setor destacado da classe trabalhadora. É preciso superar as apresentações de powerpoint e ir às ruas, fazer grandes atos e greves, dialogar com a população e somar nas mobilizações que estão sendo feitas pelos demais setores da classe que buscam melhores condições de trabalho. É preciso que os docentes abram mão de se reconhecerem enquanto uma figura destacada da sociedade e passem a abraçar as lutas com os demais trabalhadores.

É preciso mobilizar uma forte luta contra a Reforma Administrativa. Não basta dizer que o governo é contra os servidores públicos. Isso é apenas parcialmente verdade! Em realidade, o atual Governo está contra nossa classe e tudo aquilo que ela conquistou. Para um desafio desta magnitude é preciso fazer um enfrentamento deste tamanho.  Somente através da solidariedade radical de classe seremos capazes de responder com força a violência que tem nos sido direcionada diariamente. 

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