Amanda Alexandroni* – Redação UFSCàE – 27/04/2023
Na última segunda-feira (24/04) foi aprovado em segundo turno as alterações do Plano Diretor de Florianópolis. Apesar do pedido para abertura da sessão, ela ocorreu de forma fechada e contou com a presença de força policial e grades em frente à Câmara Municipal. Ao longo do processo de aprovação, a proposta recebeu diversas críticas de movimentos sociais, que apontam as consequências devastadoras que estão implicadas com essa mudança.
O Plano Diretor de uma cidade é a legislação que orienta a ocupação do espaço urbano. Como ele define as diretrizes técnicas e políticas que orientam o uso do território, há uma série de disputas implícitas e explícitas em relação ao seu sentido. No caso de Florianópolis, desde a proposta até a forma de tramitação do processo, está em evidência os interesses das classes dominantes para alterar este espaço urbano.
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A legislação (Lei n˚ 10.257/2001) que regulamenta os artigos da Constituição Federal de 1988 no tocante à política urbana, estabeleceu que é necessário a participação da população na construção do Plano Diretor. No Artigo 39, consta que “no processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. ”
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No final de 2021, o então prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (União Brasil), apresentou uma proposta de revisão do Plano Diretor. Foi convocada apenas uma audiência pública em 17/12 daquele mesmo ano para supostamente permitir a participação da população na discussão. Após pressão popular, aumentou-se o número de audiências públicas, que ocorreram nos meses seguintes.
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Em Janeiro de 2022 a discussão havia sido suspensa, retornando ao debate público apenas no mês de maio. Em agosto deste mesmo ano, houve a última audiência pública. Os movimentos sociais elaboraram então a Carta pela Cidade: por um Plano Diretor Participativo que não leve Florianópolis ao colapso. A Carta reivindicava uma alteração na metodologia de aprovação do Plano, incluindo oficinas para que a população se envolvesse com a construção do projeto; a suspensão na revisão do projeto de Lei e um estudo sobre as necessidades do território. Nesta época, houve diversas manifestações na cidade para disputar os rumos dessa política.
Um dia antes do aniversário da cidade, a Câmara Municipal aprovou as mudanças em primeiro turno. Cerca de um mês depois, a revisão foi aprovada em segundo turno. A aprovação durou poucos minutos, apenas quatro vereadores votaram contra o processo. Segundo a vereadora Cíntia Mendonça (PSOL), após poucas falas na sessão, os vereadores da base do governo invocaram o artigo 171 do Regimento Interno, que impediu a discussão sobre o Projeto de Lei. O movimento popular ficou impedido de participar da sessão, que foi fechada. Havia uma lista de participação externa que foi preenchida integralmente por membros da base do governo e entidades empresariais, como FloripAmanhã.
Zoraia, do Fórum da Cidade, em declaração ao UFSCàE, destaca os problemas desse processo:
“O plano diretor deve ser revisado a cada dez anos, segundo o Estatuto da Cidade. A revisão estaria prevista para 2024, mas a prefeitura resolveu antecipar, desde 2018 tentando passar alterações. No final de 2021 a prefeitura queria passar o plano na correria, no início do ano, para aprovar como vários outros “pacotassos” de políticas extremamente agressivas aos direitos dos trabalhadores, como o fez com a terceirização da Comcap [A Companhia Melhoramentos da Capital].
No início de 2022 iam tentar aprovar a revisão do plano diretor desta forma, só que a população ficou sabendo, os movimentos sociais se organizaram, principalmente o Fórum da cidade, Tecendo Redes, nos organizamos, entramos na justiça, no Ministério Público Estadual exigindo que fosse realizado o processo participativo condizente com o Estatuto da Cidade. E aí entramos no Ministério Público exigindo esse processo participativo por meio de um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta].
Nesse processo de assinatura do TAC, nós dos movimentos sociais organizados entramos na justiça. Não fomos chamados como parte para participar do processo.
Nós também temos um problema com a justiça no estado [de Santa Catarina] que não tem sido, de certa forma, um meio de resolução de conflitos entre a prefeitura e a sociedade civil organizada.
De qualquer forma foi assinado esse TAC, e a prefeitura realizou 14 audiências públicas. Nessas 14 audiências, a população não foi de fato ouvida, não houve debate, não houve contraditório, eles abriram espaço apenas para reclamações ou posições dos representantes das comunidades. Não houve um processo participativo adequado. E a prefeitura se recusou a realizar oficinas.
Depois de nenhuma posição das comunidades ter sido de fato considerada, esse plano foi pro Conselho da Cidade avaliar, um conselho consultivo, e por isso não poderia deliberar nada. Entretanto, eles alteraram o estatuto urgentemente, fizeram reuniões exaustivas, à toque de caixa e mudaram o Plano Diretor, alteraram a proposta da prefeitura lá dentro. Um conselho que era consultivo virou deliberativo só pra acrescentar as propostas de setores do mercado que estão lá dentro. Então é um absurdo todo o processo!
Depois foi enviado à Câmara dos Vereadores, que realizou 5 audiências públicas, sendo quatro delas na semana do Carnaval. Foi votada sem emenda, do jeito que veio do Conselho da Cidade. 19 vereadores votaram a favor desse Plano. E aí culminou na segunda votação e aprovação no dia 24/04. Sempre com muita resistência nossa. Porque nós nos organizamos no sentido jurídico, político e técnico. Nós propomos um plano diretor alternativo, porque em todas as audiências eles falavam que a gente só reclamava, que a gente não tinha proposta, e nós dávamos propostas, queríamos inclusive rever aquele plano. Nós reunimos um grupo de técnicos ligados à universidade, às instituições, da comunidade, representações, e fizemos esse plano diretor alternativo. E propusemos que fosse debatido nossos artigos. E nada. Esse processo é extremamente preocupante, porque além de ele ser antidemocrático, ele é ilegal, no processo, na tramitação, todo um processo viciado desde a origem.”
Confira na Integra a Proposta Popular para Revisão do Plano Diretor.
Com as alterações aprovadas, há uma mudança significativa na estrutura dos bairros, que impactará, dentre outras questões, no aumento do custo de vida, sobretudo no preço dos aluguéis.
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O Grupo Técnico 3D do Fórum da Cidade realizou projeções sobre como deve ficar a cidade com as alterações aprovadas. As fotos foram retiradas da página do Tecendo Redes. As imagens correspondem respectivamente aos bairros Armação, Carvoeira, Estreito, Jurerê, Mauro Ramos, Morro da Cruz, Pantanal, Santo Antônio de Lisboa, Santa Mônica e Trindade.
Como é possível verificar, as alterações propostas pelo poder municipal, seguindo os interesses das classes dominantes, é de descaracterização da cidade. É notável que bairros mais afastados do centro como a Armação devem sofrer um processo de pressão nos custos de vida através do aumento no preço dos serviços e da moradia. Processos como este já são verificados em bairros próximos a este, como Campeche e Rio Tavares. Também chama a atenção que o Morro da Cruz, por sua proximidade com o Centro, passará por um processo de gentrificação, que deve expulsar uma parcela da população para bairros mais afastados. A expulsão da população mais pobre da cidade para as margens da cidade acompanha os processos de urbanização das grandes cidades brasileiras historicamente, e é nitidamente expressa na alteração do Plano Diretor.
Além disso, bairros próximos às universidades devem ficar ainda mais caros de morar. Trindade, Carvoeira, Santa Mônica e Pantanal já possuem valores imobiliários absurdos. Com as alterações, os preços devem subir ainda mais.
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As alterações previstas no Plano Diretor impactam o saneamento da cidade, a circulação pelo território, a ocupação do espaço público e as formas de lazer e cultura. A verticalização da cidade prevista na Lei pode fazer dobrar a população sem que a cidade esteja acompanhada de uma infraestrutura adequada. Como exemplo recente, as alterações do “binário” no entorno da UFSC apresentam diversos problemas para a circulação e foram feitas a despeito de todas as críticas que os movimentos sociais fizeram. É urgente que pensemos a cidade como um direito, que envolve não apenas sobreviver às condições insalubres no transporte público em moradias caindo aos pedaços, mas sim, em uma luta para que o território de fato sirva àqueles que mantêm a cidade funcionando.
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