[Opinião] Plano Diretor de Florianópolis: qual cidade queremos?

Amanda Alexandroni* – Redação UFSC à Esquerda – 10/03/2023

Se a cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse mundo que de agora em diante ele está condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem nenhuma ideia clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem refaz a si mesmo. 

Robert Park

O Plano Diretor é a política que orienta o desenvolvimento, expansão e planejamento da ocupação dos espaços territoriais de cada município. A Constituição Federal, em seu Artigo 182, estabelece que ele é obrigatório em cidades com mais de 20 mil habitantes e deve ser aprovado pela Câmara Municipal. Elaborado pelo Poder Executivo Municipal  é, em tese, um projeto construído de forma participativa junto à população. Por seu caráter organizador do espaço urbano, sua construção mobiliza diversas contradições verificadas nas cidades, sobretudo ligadas aos interesses das diferentes frações de capitais em cada região geográfica e as necessidades da classe trabalhadora. 

Em Florianópolis, a primeira versão do Plano Diretor (Lei Complementar Municipal n. 482/2014) ficou pronta em setembro do ano passado e em fevereiro houve a primeira revisão do projeto. O planejamento da prefeitura é que a Audiência Pública Final ocorra na próxima segunda-feira (13/03), a primeira votação pelo Plenário em 20/03 e a segunda em 24/04.  No próximo sábado, ocorre uma Plenária do Coletivo Tecendo Redes e o Fórum da Cidade para mobilização da audiência do Plano Diretor. O espaço ocorre às 15h no SINTESPE. 

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Uma das questões que têm sido debatidas sobre o plano é o incentivo ao “uso misto”, uma permissão para que proprietários aumentem o número de andares de um prédio quando oferecerem serviços comerciais em edificações residenciais. Esta prática, além de trazer os prejuízos da verticalização da cidade, também expressa a tendência de aburguesamento do território. Em prédios como esses, o aluguel residencial costuma ser mais caro e o consumo dos serviços também. Um apartamento com essas características próximo à UFSC chega a custar cerca de R$ 4 mil. Quem pode pagar por isso?

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Movimentos populares e organizações políticas têm questionado a estrutura do Plano, que está sendo divulgado pela Prefeitura como participativo, mas cuja participação efetiva e democrática se restringe às entidades empresariais da cidade. Um exemplo, é o FloripAmanhã, fundada em 2005 e composta por empresas catarinenses do ramo do turismo, comércio e serviços, além de sindicatos patronais. Sua influência na dinâmica da cidade tem se tornado cada vez maior. A entidade, que se apresenta como “uma instância para pensar e propor soluções para a cidade“, participa diretamente da estrutura do Estado, tendo um papel significativo nas decisões da Prefeitura Municipal. 

Em outubro do ano passado, a entidade publicou um apelo ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)  – um dos órgãos encarregados do Plano Diretor – exigindo urgência na votação do Plano: “A ACIF (Associação Empresarial de Florianópolis) pede sensibilidade ao presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), João Cobalchini, na aprovação do Plano Diretor de Florianópolis, e reforça que neste momento, os vereadores precisam compreender e assumir o compromisso com o projeto, sendo protagonistas neste processo […]. O Plano Diretor precisa ser aprovado o quanto antes de acordo com o relatório aprovado no Conselho da Cidade”.

Os movimentos sociais, por outro lado, exigem mais para que as discussões e revisões do Plano sejam feitas com qualidade, pois suscitam diversas questões importantes. Uma delas é o direito à cidade, um direito que consiste não apenas na possibilidade de ir e vir de um espaço urbano, mas sim, da luta política para que a cidade se torne aquilo que os trabalhadores querem. Em Florianópolis, as transformações recentes evidenciam as disputas que os trabalhadores precisam enfrentar para concretizar no espaço urbano os anseios da nossa classe.

Essa é uma capital que atrai muitos trabalhadores de outras regiões, que vem para cá com a expectativa de uma melhor qualidade de vida. Na internet, são exibidas suas belezas naturais, os espaços “higienizados” do centro e a linda ponte Hercílio-Luz. Mas na prática, poucos podem realmente desfrutar do que a cidade oferece. Um trabalhador do comércio, que vende sua força de trabalho por cerca de 9h por dia, realiza trabalhos extras para conseguir arcar com o valor crescente dos aluguéis e tem, no máximo, uma folga por semana, desfruta de qual Ilha da Magia?

O centro-leste,  por exemplo, é uma região histórica da cidade, e nos últimos anos por um forte processo de gentrificação. O Largo da Alfândega tem se transformado em um espaço para a pequena burguesia e turistas se reunirem, com preços cada vez mais exorbitantes nos comércios. Sendo um ponto central da cidade, não deveria ser um local voltado para a nossa classe?

Essas discussões acerca do Plano Diretor não encerram a luta política pelo direito à cidade, mas são um momento importante para que os movimentos e partidos possam recolocar o projeto de cidade que realmente faça frente ao projeto do capital para nossas vidas. Uma tarefa como essa exige criatividade e compromisso com o que é fundamental para a nossa classe. O Plano Diretor é um momento importante, mas os espaços decisivos devem ser diariamente construídos através da luta política pela cidade que queremos.

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