[Debate] Para discutir o sentido da Universidade e as implicações políticas do retorno às aulas com ensino à distância

Beatriz Costa e Nina Rodrigues – Redação UàE – 02/06/2020

O ensino remoto voltou à tona nessa última semana após as denúncias da Associação de Pós-Graduandos (APG) contra o aligeiramento e atropelamento na última reunião da Câmara da Pós-Graduação (CPG). Nesta, um grupo de professores tentou a todo custo aprovar uma minuta que possibilitaria o ensino remoto na pós. Em sessão extraordinária do Conselho Universitário (CUn), a aluna representante da APG fez a leitura de uma nota denunciando o ocorrido.

No CUn a minuta não foi apreciada, mas já existem comitês discutindo a retomada das aulas. Além disso, a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) também já decidiu pelo ensino remoto, e ainda contamos com a pressão da mídia e de empresários, buscando mais uma vez difamar as universidades públicas.

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Se nos parece que o ensino a distância será instituído na UFSC, precisamos discutir quais cenários são aceitáveis e quais não são.

Atualmente, os comitês formados pela UFSC para planejar ações de enfrentamento ao Covid-19 tem estudado possibilidades de retorno das atividades com o ensino remoto.

Uma das possibilidades estudadas é que as disciplinas mais teóricas, que não forem tão difíceis de serem realizadas à distância sejam feitas assim, e aquelas que forem práticas ou que apresentarem mais dificuldade fiquem paradas, à espera do retorno presencial. Isso significa que no próximo semestre os professores das disciplinas práticas que não puderam ser oferecidas à distância terão o dobro de turmas? Nesse caso será necessário o dobro de professores!

Outra das opções estudadas pelas comissões é atomizar a decisão, de forma que cada departamento tenha a autonomia para decidir fazer ensino remoto ou não.  Temos que ter consciência que existe uma enorme desigualdade entre os diferentes cursos na UFSC. Alguns teriam mais facilidade de realizar ensino remoto do que outros. Então, essa desigualdade poderia inclusive ser aprofundada, já que alguns cursos estariam tendo todas ou a maioria das aulas, enquanto outros, não.

Poderíamos por exemplo comparar os cursos de economia e de teatro. Diante da possibilidade de fazer o semestre na modalidade EaD, talvez o departamento de economia avaliasse que é possível realizar ensino remoto. Já o departamento de teatro poderia avaliar que é impossível fazê-lo ou que uma quantidade mínima de disciplinas pode ser oferecida neste formato, devido as características do curso. Isso acarretaria um problema enorme para os próximos anos.

Como a universidade não é só um amontoado de cursos, e sim um conjunto de relações, toda a universidade terá que se reorganizar para garantir que estes cursos mais afetados tenham maiores possibilidades de se reestruturar quando acabar a pandemia. Isso poderia ser feito, por exemplo, por meio de uma redistribuição de recursos na UFSC, no qual os cursos que avaliaram que não era possível realizar ensino remoto tenham preferência para receber verbas, para contratação de professores, para bolsas e demais recursos  pertinentes, em detrimento daqueles que avaliaram que seria possível realizar ensino remoto.

De fato, a desigualdade entre os cursos da UFSC é imensa, e aflora nos momentos de crise: existem cursos com muito mais professores que outros, mais alunos, ou que oferecem mais disciplinas para outros departamentos. Talvez cursos específicos com mais “regalias” dentro da universidade decidam pela retomada das aulas online, mas isso provavelmente não é possível para todos.

Existem diversas atividades de ensino realizadas nos cursos de graduação e pós-graduação que não podem ser feitas à distância. Alguns exemplos são as clínicas nos cursos de saúde, as atividades de laboratório e saídas à campo. Praticamente todos os cursos tem uma parte prática. Mesmo os que não tem, provavelmente terão uma diminuição da qualidade do aprendizado se forem realizados à distância. Os professores, técnicos-administrativos e principalmente os estudantes que querem ensino à distância, devem ter consciência que essa geração será marcada pela quebra das relações, do sentido e do conhecimento dos seus cursos, caso se implementem ensino à distância.

Nosso objetivo não é fazer uma defesa desmedida do ensino presencial da forma como ele é estruturado hoje, mas é necessário reconhecermos que a universidade não é só assistir as aulas e ir pra casa; é muito mais que isso, é a possibilidade de ocuparmos os espaços públicos, de encontrarmos colegas, de discutir coletivamente sobre uma série de assuntos do nosso cotidiano. A formação não se dá somente com a aula, mas com as relações que estabelecemos. Não é à toa que o movimento estudantil foi e é vanguarda em tantas lutas, não é por menos que existe um amplo processo de descredibilização das universidades públicas. Mesmo que nós estejamos vendo uma série de problemas graves que precisam ser trabalhados para construirmos uma universidade melhor, ainda assim ela é importante.

Não é porque estamos recebendo pressões externas, da mídia e de entidades empresariais, que devemos voltar às aulas de qualquer maneira. O que devemos fazer é discutir as questões de forma aprofundada e não pensando somente na operacionalidade. Precisamos pensar de forma mais global. Quem pode e deve discutir essa questão são os estudantes, organizados nos seus centros acadêmicos.

Este é um momento propício para os centros acadêmicos discutirem questões importantíssimas como a carga horária dos seus cursos, os currículos inchados com disciplinas nas quais se aprende pouco, quais são as principais questões que deveriam ser abordadas e discutidas nas disciplinas, entre outras coisas. Esta não é uma discussão técnica, é uma discussão sobre o sentido da universidade que surge com urgência nesse momento em que tentam a todo o custo empurrar uma formação aligeirada, rasa, que rompe profundamente com o que estamos lutando para transformar a universidade. 

Precisamos estar juntos, discutindo a luta que precisa ser tocada. É preciso pressionar as entidades que não estão fazendo mais do que consultas públicas de suas bases a construírem espaços amplos de debate onde possamos discutir de forma ampla e aprofundada, onde possamos estruturar as bases para travar as lutas que são fundamentais nesse momento. Seja nas ruas ou cada um em sua casa — aquilo que compreendermos que é o melhor dada  a conjuntura, mas que estejamos juntos!

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