Panfletos da auditoria cidadã da dívida
Foto: Cartilha sobre a luta pela auditoria da dívida distribuída e produzida na greve de 2015 ao lado de panfletos da campanha para reitoria de Cancellier na sede do SINTUFSC; por UFSC à Esquerda

[Editorial] O mito do enfrentamento ao Ajuste Fiscal entre os TAEs

Foto: Cartilha sobre a luta pela auditoria da dívida distribuída e produzida na greve de 2015 ao lado de panfletos da campanha para reitoria de Cancellier na sede do SINTUFSC; por UFSC à Esquerda

Na canção Quase Sem Querer, Renato Russo lembrou que “mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira”. Hoje vamos falar sobre um processo de autoengano na Greve dos Técnicos das Universidades Federais (TAEs), processo protagonizado em boa parte por suas próprias direções sindicais. Todavia, o assunto não se trata da conduta particular de um ou outro dirigente, mas da adesão voluntária de um movimento sindical nacional ao pacto de classes vigente no Brasil, e, consequentemente, nas universidades. Começaremos por Brasília, e depois falaremos da UFSC.

1. Brasília – O mito do enfrentamento ao “Ajuste Fiscal”

Na última terça, 22, o Comando Nacional de Greve da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituição de Ensino Superior Públicas do Brasil (CNG/FASUBRA) publicou às suas bases uma orientação em relação à Greve dos TAEs, prestes a completar seu quarto mês.

No referido documento, é feita a chamada de que “A maior greve da história da FASUBRA enfrenta o ajuste fiscal do Governo Dilma”, e, posteriormente, recomenda-se às bases que essas votem em suas Assembleias a favor da assinatura de um Acordo de Greve (cuja minuta não fora apresentada até então), e que se suspendesse a Greve Nacional dos TAEs. Foram palavras do próprio Comando Nacional de Greve (grifos nossos – UàE):

A unidade da greve enterrou o plano original do governo em prender nossa categoria num acordo de 4 anos com possibilidade de fazer uma nova greve somente em 2019. Precisamos valorizar essa vitória, sob o risco de chegarmos à conclusão que greve não serve para nada, deseducando os trabalhadores.

O governo não só recuou de sua proposta original como também apresentou uma contraproposta de reajuste que consiste em 10,8% em 2 anos. O pacote econômico do reajuste ainda contou com o reajuste nos benefícios, com o auxílio pré-escolar recebendo a majoração mais significativa, bem como os demais benefícios tendo atualização da inflação desde o último reajuste. Em relação ao novo período do reajuste proposto pelo governo, conseguimos avançar na vigência em comparação aos dois últimos acordos que assinamos (2007 e 2012), esses últimos tiveram o período de vigência de 3 anos. Em relação ao índice infelizmente não houve avanços significativos, o governo seguiu negando as perdas sem considerar nem mesmo a inflação de 2015. Mas é preciso destacar que diferentemente de outras categorias, conseguimos uma pequena majoração no step (3,9% em 2017) ampliando de alguma forma o poder aquisitivo da categoria através de elementos da nossa carreira.

(…) Resta-nos então centralizar o debate sobre suspender a greve e assinar ou não o acordo. Após um longo e exaustivo debate a maioria do CNG/FASUBRA entendeu que seria um equívoco não assinar o acordo e apostar em uma nova greve em 2016, diante do cenário conjuntural colocado.

Ainda no próprio documento, quando da análise do ponto de pauta “suspensão imediata dos cortes orçamentários nas Instituições de Ensino e recomposição do Orçamento” (p. 8), está destacado que o ponto central dos Cortes na Educação não foi atendido. E ainda mais, destaca-se a resposta do governo:

MEC diz que é favorável a defesa de orçamento para a educação, mas que não cabe a ele a definição da política orçamentária de governo.

Na orientação do Comando Nacional às suas bases, evidencia-se a incapacidade desse movimento em garantir minimamente a pauta sindical, uma vez que o acordo a ser firmado:

  1. Não garante a reposição das perdas salariais acumuladas até 2015 e posteriores;
  2. O prazo para início do reajuste salarial foi adiado, de janeiro para agosto de 2016, perfazendo um reajuste da renda anual nesse ano da ordem de 2,5%;
  3. A não recomposição do orçamento implica, de imediato, a aceleração do processo de precarização do trabalho nas universidades.

Todavia, não bastasse a derrota sobre a pauta sindical, o anúncio de novos cortes, realizado em 14 de setembro, demarcou mais um passo no sucateamento do funcionalismo público como um todo, acrescentando ao processo de arrocho salarial a suspensão de novos concursos públicos e o fim do abono permanência, como já analisamos em outro texto. A se considerar o universo superior a 100 mil funcionários públicos que já estão em condições de se aposentar (universo no qual as universidades públicas estão incluídas), tais medidas tendem a acelerar a aposentadoria desses servidores mais antigos e a dificultar a entrada de novos.

Posto isso, o aceite de um acordo nesses termos não pode ser visto enquanto vitória, nem sindical e nem política, mesmo que sinalize uma “redução de danos” aos TAEs que estão hoje envolvidos com a universidade. No médio prazo, para além da questão sindical, está delineada a estratégia de desmonte desse setor, começando pelos seus trabalhadores.

Por outro lado, é evidente que esse movimento atingiu um grau de saturação, não sendo capaz de oferecer novas ofensivas à política estabelecida. Tanto o é que, na mesma semana em que se sinaliza a aquietação da Greve, Agenda Brasil começa a ser aprovada pelo Senado Federal. Entre os pontos relacionados aos trabalhadores nesse programa, pode se destacar o aumento da terceirização e da idade mínima para aposentadoria.

O limite do movimento que culminou na aceitação desse acordo de Greve, portanto, é caracterizado tão somente por:

  1. Uma redução de danos a esses trabalhadores; e
  2. Em termos hipotéticos, um incipiente canal de articulação da FASUBRA com os outros Servidores Federais.

No mais, não se pode afirmar que houve, concretamente, enfrentamento ou ameaça ao Ajuste Fiscal. Agora, as repercussões desse processo de autoengano na UFSC.

2. UFSC – A brutalidade da precarização ante o Pão e Circo sindical

Ao fim de Agosto, de forma inédita, visando à sua reeleição da Reitoria, a Gestão de Roselane Neckel e Lúcia Pacheco reabre o Restaurante Universitário do campus sede em caráter precário (aquele que ela mesma havia fechado) valendo-se da maior terceirização de cargos da carreira dos Técnicos, ressalte-se, terceirização inclusive de cargos não extintos, como o de nutricionista⁴.

Ante a reação tardia dos TAEs, além de uma explícita conivência da direção do SINTUFSC para com a Reitoria, os estudantes tomaram a dianteira desse processo e aprovaram em sua Assembleia Estudantil o ato da Catraca Livre, que ficou conhecido como Catracaço. O segundo semestre da UFSC iniciava-se com a eclosão de mais de 19 cursos paralisados, com um incrível destaque às paralisações estudantis.

Inicialmente previsto para o dia 31 de Agosto, o protesto no RU teve sua estreia em 2 de setembro, quando as três categorias se juntaram e o fizeram até o último dia útil daquela semana (4 de setembro), enfrentando até a oposição do DCE, que estava à serviço da Reitoria. A Assembleia dos TAEs de 4 setembro, diga-se de passagem, aprovou o indicativo de construir diariamente esse protesto, até o fim da Greve.

Na semana seguinte, a tática do Catracaço começou a demonstrar sua saturação. A atividade estava enfraquecida com poucos militantes sustentando sua continuidade.  Destacava-se a distribuição de um Ticket Alimentação por parte de diretores do SINTUFSC (ou pessoas de sua confiança), para que os TAEs grevistas fossem almoçar em outro restaurante, e, consequentemente, não fossem ao RU. Na Assembleia de 09 de setembro, é deliberado o fim da Catraca Livre. A direção do SINTUFSC não conseguia disfarçar seu asco pela construção de lutas conjuntas com outras categorias, evidente, à exceção da unidade pragmática que ela faz com outros setores para a eleição da Reitoria.

A partir desse recuo entre os TAEs da UFSC, apesar das conquistas no campo das lutas unificadas localmente, intensifica-se a divulgação de uma festa do SINTUFSC para o dia 17 de outubro, isto é, 4 dias antes da Eleição da Reitoria (21 de outubro), embora a data a ser comemorada seja no fim daquele mês. As cores da candidatura e os materiais de campanha distribuídos no sindicato não negam a serviço do que está a referida festa. A agenda de Greve dos TAEs ficou limitadas a fazer Assembleias e aguardar os passos de Brasília, enquanto os cabos eleitorais dos Reitoráveis usariam o restante desse tempo livre para realizar as campanhas de suas respectivas chapas.

Entretanto, o processo decadente do SINTUFSC e da Greve dos TAEs na UFSC não se torna problemático apenas porque em um revisteiro do sindicato figuraria um material eleitoral à frente do material sobre a dívida pública, ou porque dirigentes sindicais abandonaram a Greve para ser tornar cabos eleitorais. Se observado o processo de autoengano da luta sindical em nível nacional, pode-se notar que na UFSC há uma continuidade desse processo em âmbito local.

Segundo dados oficiais da própria universidade, no ano 2014 já havia 648 servidores os quais atendem os critérios de aposentadoria, sendo 333 docentes e 315 TAEs. A se considerar que no mesmo ano a UFSC tinha 2.335 Docentes e 3.169 TAEs, falamos da possibilidade imediata de aposentadoria de 14% de seus professores e de 10% de seus TAEs. Caso se leve em conta os anos seguintes, deve-se considerar a ponderação da própria universidade (grifos nossos – UàE):

Ainda sobre aposentadoria, a análise da distribuição do número de servidores efetivos por faixa etária revela que 43% da força de trabalho da UFSC é composta por servidores com idade igual ou superior a 51 anos…

Mas a aposentadoria não é o único problema nesse cenário, a alta rotatividade de servidores novos também é mencionada, principalmente para os concursos de 2013 e 2014 (grifos nossos – UàE):

Para suprir esta demanda, foram realizados nos anos de 2013 e 2014, dois concursos. Porém, um número representativo dos servidores que estão ingressando não permanece no nosso órgão, sendo que muitos permanecem por um período inferior ao do estágio probatório, solicitando sua vacância ou exoneração. Quando questionado a estes servidores o motivo de sua saída, o fator preponderante está identificado no Plano de Cargos e Salários, que não é competitivo frente aos planos de outras esferas públicas. Temos ainda a relatar que muitos nem chegam a assumir seus cargos após suas nomeações, já tendo passado em outros concursos e optado por outras carreiras mais promissoras financeiramente.

Não é necessário grande esforço para mensurar nos próximos anos o impacto do Ajuste Fiscal sobre o funcionalismo público na UFSC (Docentes e TAEs), quer pelas aposentadorias ou pela rotatividade dos novos trabalhadores. Apesar de sua gravidade, o assunto não aparece como questão central nas Assembleias e nem na Eleição da Reitoria. Com a previsão de fim da Greve Nacional dos TAEs, e o retorno à dita “normalidade”, a maior esperança de muitos técnicos parece agora residir em uma urna. Uma esperança frágil, usurpada sem o mínimo pudor por seus dirigentes sindicais. Dos TAEs da UFSC, até o direito de festejar lhes foi tirado. Tornou-se, ironicamente, mais um instrumento de culto a um Governo.

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