[Opinião] A importância da transmissão da reunião de órgãos públicos da universidade. O que acontece com reuniões a portas fechadas?

Foto: UFSCàE

Martim Campos – Redação UFSC à Esquerda – 16/08/2020

Na Câmara de Graduação se discute a minuta feita no início de 2020, a qual tem o objetivo de instituir normas para a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância (EaD), nos cursos de graduação presenciais da UFSC, até o limite de 40% da carga horária total do curso. Essa proposta tem como base a Portaria No 2.117, de 6 de Dezembro de 2019, assinada pelo antigo ministro de Estado da Educação Abraham Weintraub.

Na última reunião da Câmara de Pós-graduação (CPG), foi introduzida na ordem do dia a pauta de apresentação da proposta de criação dos Institutos de Estudos Avançados (IEA), que tem como base uma Ideologia de Universidade de Excelência. Estes são alguns exemplos do que está sendo colocado na ordem do dia destas instâncias da universidade, com propostas que alteram estruturalmente o que conhecemos por universidade pública.

O objetivo deste texto não é discutir os pontos mencionados (ainda que estes mereçam sem dúvidas de largas discussões), mas de apontar como as pautas acima que estão tramitando atualmente nas Câmaras e Conselhos acabam sendo desconhecidas para grande parte da comunidade discente, mas também de docentes e técnicos, que sequer sabem dessas e outras mudanças que estão vindo para a graduação e pós-graduação. Não saber o que se discute nem como essas discussões são apresentadas traz efeitos deletérios para a articulação da comunidade acadêmica em promover espaços de debates, especialmente agora no ensino remoto onde não temos mais as conversas nos corredores e cafés para circular tais assuntos.

E esse desconhecimento se deve porque as discussões e deliberações das Câmaras e Conselhos, com exceção do Conselho Universitário (Cun), estão mantidas dentro de portas fechadas, com trabalhos silenciosos sendo realizados que só conhecemos no Conselho Universitário (CUn).

O resultado disso é uma comunidade acadêmica impedida de acompanhar os projetos para a universidade desde o início da formulação destes nas câmaras e conselhos. Mas por que não temos a chance de acompanhar os debates  na íntegra sobre pautas tão caras à Universidade? Por que conseguimos ter acesso somente ao produto final de reformas no Cun? Afinal, qual o impedimento para as transmissões das reuniões se não existem dificuldades técnicas para isso? O Cun é um exemplo que prova plenas condições para as transmissões de qualquer conselho.

Poderíamos até fazer um exercício de imaginar os impactos da comunidade ciente do que se passam nestes conselhos. Se, por exemplo, fosse possível aos estudantes que agora estão tendo a experiência do ensino remoto – e inclusive já muitos esgotados desta –  soubessem e acompanhassem o debate na Câmara de graduação sobre a implementação do EaD nos cursos presenciais. Tendo ciência dos processos enquanto eles estão nesta fase de construção de documentos e deliberação de minutas, qualquer estudante (e não só aqueles que possuem cadeiras nas câmaras) poderia levar o ponto de pauta para as bases de seus Centros Acadêmicos, pensar nas implicações para os seus cursos, convocar assembleias estudantis, chamar especialistas para realização de debates e aulas magnas, levar o debate nos colegiados docentes… Uma série de mobilizações poderiam ocorrer, com tempo para que formulássemos em conjunto e com debate qualificado sobre o que os estudantes, docentes, técnicos e servidores tem a dizer sobre alterações tão fundamentais em nossa experiência de universidade.

O tempo é um elemento fundamental que faz falta quando nos deparamos com propostas passadas pela Reitoria a toque de caixa, como temos acompanhado no Cun com a pauta das alterações nas Resoluções Normativas da pós-graduação. Para aqueles que assistem pode inclusive ficar difícil compreender o peso que algumas destas alterações terão para universidade. Muitos sequer sabiam do processo e sua discussão feita em anos anteriores.

O que foi defendido na intervenção no Conselho Universitário (CUn) do dia 03/08, construída pela Associação de Pós-Graduandos, centros acadêmicos, Diretório Central dos Estudantes e Técnicos-Administrativos foi a necessidade de ampliação do debate com os colegiados, com a comunidade universitária e, sobretudo, com os (as) pesquisadores (as) do campo educacional. As conselheiras e conselheiros que estavam do lado da entidade de pós-graduação quanto a ampla discussão sobre essas reformas com a comunidade não obtiveram até agora respostas francas da Administração Central sobre o porquê dessa pauta precisar passar agora de forma tão apressada em um momento tão delicado da conjuntura atual.

No Cun, o que está sendo recusado pela Reitoria e sua base apoiadora é a realização de um processo verdadeiramente democrático, o qual consistiria em dar visibilidade e escuta para aqueles que compõe essa instituição cotidianamente, mas de forma a integrar suas conclusões em seus processos. Até a função do Cun tem sido distorcida pela base da reitoria, reforçando um caráter de apenas apreciar o trabalho feito nas outras câmaras como o mais qualificado. Conselheiros presentes tiveram que relembrar que a instância é um órgão soberano e independente, que deve fazer considerações e ponderações sobre o que chega como proposta das outras Câmaras e Conselhos.

Essa desqualificação dos debates também está presente no modo de como as iniciativas prioritárias da escuta à comunidade perpassa apenas por criação de formulários de opiniões em canais de comunicação da universidade. Mas esta não é uma solução séria e aprofundada o suficiente para estabelecer posições: não precisamos de um conjunto de opiniões individuais para uma política, mas de debates onde cada opinião seja discutida por aqueles presentes, onde as divergências pudessem ser expostas abertamente, permitindo encaminhamentos mais qualificados, com problemas devidamente apontados se necessário.

A garantia de um debate é fundamental pois muitos que compõem a comunidade acadêmica sequer tem opiniões tão formuladas sobre alguns pontos da universidade ou possuem dúvidas sobre diversos assuntos. Não podemos esquecer que há uma grande parcela atual dos estudantes tanto de graduação quanto de pós-graduação que nunca nem pisaram na universidade, e sem essa experiência acabam não conhecendo todas as possibilidades que uma universidade pode oferecer, além de não terem contato com todo o histórico dos movimentos de lutas da universidade. Formulários e consultas públicas acabam por perpetuar as dúvidas quando não é possível garantir condições para que todos tenham acesso à debates e conhecer outros ângulos e consequências de um mesmo assunto.

Diante do modo como os processos tem sido conduzidos nestas instâncias deliberativas da universidade, como não questionar um trabalho que chega pronto para nós sem a construção democrática e crítica feita por debates amplos com todas e todos de nossa comunidade acadêmica?

Além desse problema apontado, de não permitir que a comunidade acadêmica construa seus debates próprios do que está sendo tramitado nas Câmaras e Conselhos no momento em que estes são realizados por conta das reuniões fechadas, há um outro problema que pode ocorrer com a falta de transparência das reuniões.

Na última reunião da CPG, diversos conselheiros e Pró-reitora assumiram posturas intimidadoras direcionadas à APG. A situação foi relatada em carta pela Associação dos Pós-graduandos (APG): a entidade foi acusada diversas vezes de espalhar fake news e mentiras sobre as resoluções no site da instituição e no Conselho Universitário e foi até mesmo discutida a possibilidade de moção de desagravo contra à APG e procedimento administrativo disciplinar.

A entidade trouxe essa questão à público após divulgar uma carta à UFSC para comunicar os acontecimentos e reforçar seus posicionamentos. Nesta carta, a APG reforça as amplas divulgações e defende as transmissões públicas de todas as reuniões das Câmaras e Conselhos Superiores:

É lamentável que membros da administração central atuem dessa forma coercitiva diante de divergências políticas sobre quais os rumos mais democráticos para processos decisórios sobre aspectos de reformas substanciais. No CUn, a APG não defendeu nada mais que o mínimo necessário nos dias de hoje: a necessidade de se escutar a comunidade científica e universitária, para que as decisões sejam fruto de deliberação consciente. Por isso, a APG traz à público o ocorrido e apresenta a necessidade de que as reuniões de todas as Câmaras e Conselhos Superiores sejam publicamente transmitidas no momento de sua realização. Assim, podemos garantir que as devidas oposições possam ser realizadas sem que professores envolvidos em cargos de poder se sintam à vontade para tentar coibir o direito democrático de discordância, com ameaças de retaliação.

Leia também: a APG não cede na luta: confira a carta da entidade na íntegra

A pergunta que paira no ar após esse episódio é: será que estes Conselheiros se posicionariam da mesma forma se a reunião fosse transmitida? Se soubessem que teriam pessoas de toda comunidade acadêmica acompanhando suas falas, como já ocorre no Conselho Universitário?

Tal ataque coercitivo teria o intuito de frear as mobilizações e posicionamentos que a entidade vem tendo, além de funcionar como alerta para outros conselheiros presentes. Esse tipo de situação ocorre justamente porque os conselheiros estão confortáveis para expressar suas opiniões como lhes convir pois estão sendo escutados entre “quatro paredes” – mas essas paredes não são barreiras de fato para a transmissão da reunião. A única barreira é o fato de não ser conveniente para a Reitoria transmitir o que acontece nestes espaços.

Nesta mesma reunião da CPG, embora os procedimentos administrativos disciplinares e as moções de desagravo à APG tenham sido debatidas, o encaminhamento tirado na reunião foi o de formar uma comissão para aperfeiçoamento dos processos de construção das normas da pós-graduação. Quem vê de fora os encaminhamentos feitos não sabe em que tons essas reuniões ocorrem, permeadas por ameaças cada vez mais diretas.

Desqualificam e tentam apagar as oposições políticas colocadas pela entidade como se fossem “falta de responsabilidade” e “desconhecimento do jogo democrático”. Fazem um discurso de que a oposição é um ataque ao trabalho feito nas comissões, de que o encaminhamento para tornar público os procedimentos da Câmara se daria com a necessidade de precisar “provar sua honestidade”. Não é de se espantar que a forma do encaminhamento seja pensada para esclarecer como os procedimentos são realizados, e não se faça em nenhum momento a indicação para que estas reuniões sejam transmitidas no momento em que são realizadas para toda a comunidade acadêmica.

É por isso que devemos lutar pela transmissão das Câmaras e Conselhos da universidade para que toda a comunidade tenha acesso aos debates que estão ocorrendo nessas instâncias e para que nenhuma posição antidemocrática e coercitiva esteja presente nesses espaços!

* Os texto de opinião são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal.

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