[Opinião] DCE presidenciável? O que aprendemos com a gestão que ocupa há 4 anos a entidade

Imagem: Centro de Convivência, prédio da Universidade Federal de Santa Catarina. Os estudantes estão putos. UFSCàE. 

Flora Gomes – Redação UFSCàE – 03/06/2022

O atual imobilismo do Diretório Central dos Estudantes (DCE) infelizmente já estava previsto na própria formação da chapa Canto Maior no processo eleitoral em 2018. O fato de essa gestão ocupar a cadeira da maior entidade estudantil da UFSC pelo tempo de um mandato presidencial apenas agravou os problemas identificados na composição da chapa. Com o processo eleitoral da entidade previsto para ocorrer nas próximas semanas, buscaremos retomar o histórico de atuação desta gestão em vistas a tentar contribuir com os processos futuros. 

A formação de chapa dessa gestão contou principalmente com a atuação de organizações políticas de esquerda, como Alicerce/Psol, Brigadas Populares/Psol, JCA/PCLCP, Afronte/PSol, UJC/PCB e PCR/UP. A formação de chapa já apontava o destino do DCE por duas razões: pelo que essas organizações têm em comum e, ainda que pareça paradoxal, pelo que elas também divergem entre si.

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De qual concepção política partilham ?

Todas essas organizações, por mais que resguardem diferenças programáticas entre si, partem de uma concepção de que a universidade pública é uma instituição que serve única e exclusivamente ao capitalismo, sem contradições inerentes à sua própria atividade-fim. 

Nessa leitura, a universidade apenas serviria à classe trabalhadora após o triunfo da revolução socialista, não havendo para ela papel relevante na luta de classes enquanto o capitalismo perdurar. Sem dúvidas, a universidade tem cada vez mais sido penetrada pelos interesses do capital. Aqui e no jornal Universidade à Esquerda você pode acessar diversos textos que analisam esse aspecto. 

Contudo, é necessário não perder de vistas o seguinte: por ainda ser uma instituição que tem como objetivo produzir ciência, filosofia e arte, ela tem um potencial crítico absolutamente fundamental para a classe trabalhadora. Aliás, é por essa e outras razões que  a universidade brasileira passou por ofensivas severas após a década de 1960, quando os capitais se deram conta de que haviam críticas sendo produzidas nessas instituições que eram capazes de colocar em xeque o sistema capitalista. A partir daí, a ofensiva passou a ser ainda mais dura. 

Ainda assim, apesar dos esforços do capital, a universidade continua sendo importante para a classe trabalhadora. É notável como o movimento estudantil pode cumprir um papel nas lutas da cidade, principalmente nesta conjuntura de alta nos preços dos aluguéis e política imobiliária voltada para favorecer grandes proprietários. Ademais, quantos de nós não tiveram o primeiro contato com uma política radical dentro da universidade? Quantos de nós participaram de disciplinas dentro de cursos que mudaram radicalmente nossa visão de mundo? Esses são alguns elementos empíricos que atestam esse fato. Produzir conhecimento pode significar questionar a tudo e a todos.

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Mas, por não concordarem com essa análise,  a política majoritária dos partidos que têm composto a gestão do DCE nos últimos quatro anos é outra: cooptar militantes para “fazer a revolução”. Como para elas a universidade serve única e exclusivamente para a formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, não há uma disposição em travar as disputas importantes no cenário universitário e educacional do país, mas sim recompor as forças de seus partidos. Nisso podemos dizer que essas organizações foram bem sucedidas, pois após quatro anos de gestão, o DCE, apesar de ter um papel muito irrisório nas lutas estudantis, fez crescer imensamente as fileiras dos partidos que o compõem. Este é o elemento que essas organizações carregaram em comum e que as colocaram lado a lado para construir uma gestão de DCE.

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Apesar das semelhanças, como lidar com as divergências? 

Apesar dessa semelhança, há também diferenças significativas entre elas. Na formação de chapa, por exemplo, havia organizações que defendiam Empresas Juniores no interior das universidades públicas, enquanto outras, pautaram contrariedade a essa política. Como lidar com divergências tão fundamentais no dia a dia de uma gestão? O resultado nós vemos com muita evidência hoje, quando frente a qualquer tentativa de articulação com o DCE, demora-se semanas para se chegar a um consenso no interior da entidade, a ponto de, muitas vezes, inviabilizar articulações importantes no movimento estudantil.

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A eleição da chapa Canto Maior se deu poucos dias após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Foi importante que uma chapa de esquerda tenha sido eleita frente a tantas ameaças de autoritarismo que estavam sendo enunciadas por Jair Bolsonaro. Contudo, por esses problemas de fundo, a gestão pôde fazer muito pouco frente às violências que a universidade e a sociedade brasileira de maneira geral passaram durante o governo de Jair Bolsonaro.

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No início de 2019, o DCE dedicou grandes esforços para construir um Congresso Estudantil que era alheio à realidade estudantil. Nessa mesma época, estudantes indígenas estavam construindo um movimento por melhores condições de permanência na UFSC. O DCE priorizou a construção de um congresso que jamais aconteceu. Em seguida, o cenário dos cortes orçamentários das universidades passou como uma avalanche em cima das propostas burocráticas da gestão e houve muitos atos de rua, que não foram protagonizados pela grande maioria das entidades estudantis. 

A gestão apresentou pouco fôlego para puxar as mobilizações contra os cortes. Não eram feitas passagens em salas organizadas, construção de faixas, espaços formativos recorrentes ou outras atividades agitativas. Contudo, nessa mesma época, para a votação dos delegados que iriam para o Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes (CONUNE), as organizações demonstraram seu potencial mobilizador. Nessa época, era possível ver panfletagens diárias e esforços em dialogar com os estudantes sobre o congresso. Oras, porque esse mesmo ímpeto não foi colocado para construir a mobilização contra os cortes orçamentários? Qual estava sendo a prioridade da gestão? Por que a disputa da direção da UNE era mais importante do que disputar o sentido dos movimentos na UFSC?

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Em meados de 2019, após o anúncio do Future-se e frente ao imobilismo do DCE, diversos estudantes passaram a puxar com força mobilizações contra esse projeto e passaram a se reunir em um movimento chamado “UFSC Contra o Future-se”, uma vez que não havia espaço para construir as lutas por meio da própria entidade central dos estudantes . O movimento não pôde contar com o apoio da principal entidade estudantil da UFSC, mas seguiu construindo uma greve contra mais essa ofensiva em direção à universidade. 

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Havia uma divergência fundamental entre o movimento UFSC Contra o Future-se e a Gestão Canto Maior: enquanto os primeiros apostavam na nacionalização da greve para conseguir barrar o projeto, os segundos tinham uma leitura de que a greve não iria se nacionalizar, pela condição à época do movimento estudantil. Parte das organizações que compõem até hoje o DCE chegaram a deslocar militantes de outras regiões para fazer falas de desmobilização em assembleias e reuniões na UFSC.

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Por essa razão, o DCE precisou adotar uma postura contraditória, na qual não defendia abertamente o fim da greve, mas colocava diversos empecilhos para deslegitimar sua construção. Foi marcante que na acirrada assembleia que decidiu por encerrar a greve na UFSC, estudantes do DCE e suas bases comemoraram essa derrota com pulos e aplausos. 

Após tanto desgaste, como fica a eleição da entidade?

Foi nessa conjuntura da greve que o DCE decidiu adiar as eleições da entidade pela primeira vez. E as eleições que deveriam ocorrer no início de 2020 foram adiadas mais uma vez em razão da pandemia. O DCE colocou-se contrário à votação durante a pandemia em razão do voto online. 

Durante esse período de atividades online, a principal entidade estudantil da UFSC se ausentou de travar uma luta séria contra o Ensino Remoto. Essa dificuldade se deu, em partes, devido ao fato de algumas das organizações que compõem a gestão defenderem essa forma de ensino, o que mais uma vez colocou o DCE em uma posição delicada devido à divergências internas. 

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O fato de o DCE adiar as eleições por anos deixou a entidade em uma posição bastante delicada. A maioria dos estudantes que estavam na nominata da Gestão Canto Maior sequer estudam hoje na UFSC. Esses que hoje compõem a gestão não participaram do processo de formação de chapa, de construção da entidade e, apesar disso, hoje constrõe uma gestão que evidentemente está falida. A cada atividade do movimento estudantil que busca contar com o DCE, a entidade alega que não há pessoas disponíveis para construir. Contudo, na nominata original, havia mais de 200 pessoas compondo a gestão. 

Essa contrariedade à votação online, que tem de fato razões políticas, ficou porém restrita às eleições da entidade. Durante o processo de elaboração da consulta informal das eleições para reitoria da UFSC, que foi construída pelo DCE através de seus representantes na Comissão Eleitoral, a gestão passou da defesa do voto presencial para a defesa do voto online. A defesa do voto presencial havia sido construída junto com alguns Centros Acadêmicos (CAs) e a Associação de Pós-graduandos (APG) em uma reunião ampliada do movimento estudantil. Inicialmente, as entidades estudantis que construíram a Comissão Eleitoral – APG e DCE – tinham concordância de que o voto presencial traria mais qualidade para as votações, uma vez que a implicação das categorias é mais significativa em atividades presenciais. Contudo, após uma mudança de leitura da entidade – que sequer foi discutida com os estudantes –  o DCE passou a defender o voto online. Como uma entidade tão importante para o movimento estudantil muda radicalmente sua política e sequer compartilha essa análise com sua base? O que guiou a mudança de posição do DCE? 

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Qual gestão de DCE podemos construir? 

Com esses elementos de resgate da gestão Canto Maior, buscamos ressaltar alguns pontos que podem servir de saldo para as lutas futuras. Em primeiro lugar, o DCE é uma entidade extremamente importante para as lutas dentro e fora da universidade. Ela é capaz de mobilizar uma base muito significativa de estudantes que tende a ser uma categoria com uma potência de radicalização maior se comparada às demais categorias da UFSC. Sua relevância também se dá pelo fato de que a entidade resguarda uma história, que é transmitida às gerações seguintes de estudantes. Por ser uma entidade importante, sua política não pode ser feita de forma tão leviana como tem sido. 

Em segundo lugar, queremos destacar que uma outra forma de unidade de esquerda é possível, na qual as divergências se decidem com crítica e debate, e não apenas empurrando-as para debaixo do tapete. As políticas de alianças e compromissos devem constituir-se a partir de discussões e análises, elas jamais podem ser um dado de antemão. 

Por fim, e talvez o elemento mais importante: é necessário que a próxima gestão do DCE construa uma estratégia que coloque as disputas da universidade como centrais. Seria muito valioso se a próxima gestão do DCE fosse capaz de abandonar a política em que a universidade é apenas um meio, e não um fim, da própria política.  



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