[Opinião] Quem irá bancar a volta às aulas?

Marcelo Ferro* – Redação UàE – 22/06/2020

Tudo se encaminha para a volta às aulas na universidade, na modalidade que está sendo chamada de “ensino remoto”. Nisto consiste a solução da Reitoria da UFSC, que dividiu com os diretores de Centro, comitês e subcomitês a responsabilidade da consulta às bases e da decisão. No mesmo sentido o Conselho de Entidades de Base, que no dia 16/06 decidiu pelo retorno do semestre letivo de forma remota.

Isso era esperado, e está de acordo com o que muitas outras universidades federais vêm discutindo e implementando. O governo do Estado de Santa Catarina também adotou a postura, orientando pela volta às atividades nas faculdades e na UDESC.

A decisão, contudo, está longe de refletir um ponto pacífico de debate. Muitos expressaram preocupação legítima com a normatização do ensino à distância nas universidades. Isso levará a uma banalização da missão da instituição, que é fazer progredir a Ciência, as Artes e a Filosofia. A exigência para essa missão é formar os melhores quadros intelectuais nas diversas áreas do conhecimento humano. Inegável que a convivência presencial nos espaços de estudo e pesquisa, a proximidade a grandes referências e a participação dos debates políticos são pressupostos para a formação de grandes cientistas, técnicos, filósofos etc. A educação à distância é incapaz de proporcionar esses elementos.

No entanto, o debate sobre a implementação do ensino à distância, que parece ter se tornado inevitável, tem que mudar de figura. Não estamos mais tratando se haverá ou não volta às aulas com ensino à distância, ensino remoto ou qualquer nome que se queria dar à modalidade não-presencial. Claro está que a pandemia do COVID-19 trará implicações duradouras, e que as universidades não poderão realizar um retorno presencial na integralidade tão cedo, a não ser que seja tomada a mórbida decisão de reunir milhares de pessoas nas salas de aula, RU e biblioteca, para citar só o mais óbvio.

O verdadeiro ponto do debate é: estando implementado o ensino à distância, o que fará a universidade, como instituição, para lidar com as consequências?

De início, é preciso levar em consideração que uma geração inteira de estudantes ficará marcada por uma formação inferior. São estudantes que terão suas potencialidades limitadas pelas retrições à participação em laboratórios e às expedições de campo.

Para não abandonar por completo a formação desses estudantes, é necessário traçar com antecedência planos para o novo cenário. A restrição às atividades presenciais atinge diferentemente os Cursos. Há Cursos tais como História, Economia e mesmo algumas Engenharias que, sendo majoritariamente compostos por disciplinas expositivas, poderiam se adequar à modalidade à distância. Há Cursos nos quais a participação presencial é absolutamente imprescindível à formação, tal como Medicina ou Psicologia, centrados na relação entre a teoria e uma pessoa exterior, o que poderia se estender também à Pedagogia e às licenciaturas. O que fará a universidade diante disso?

É improvável que se decida por cancelar as matrículas nos cursos em que as atividades presenciais são essenciais. Isso significa que, nesses cursos, as turmas das disciplinas presenciais passarão a se acumular, e que, eventualmente, com um retorno integral, as instalações físicas e os professores dessas disciplinas ficarão sobrecarregados.

Desde já os Departamentos que puderem manter a maior parte das disciplinas deverão ter seus recursos realocados nos Departamentos que necessitam das aulas presenciais. Isso implica em transferir recursos financeiros para adequar os laboratórios para um maior número de estudantes e para medidas sanitárias mais rígidas. Implica também em suspender a contratação de novos professores, reservando essas vagas para os cursos que não puderem ter um retorno imediato.

Estarão os Departamentos do CTC dispostos a ceder seus recursos? Do contrário, serão sacrificados os estudantes de Psicologia e das licenciaturas? É isso que está em jogo com o retorno do semestre letivo na universidade por meio da implementação do ensino remoto, tal como está sendo apresentado.

 

*Os textos de opinião são de responsabilidade do autor, e não expressam, necessariamente, a posição do jornal.

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