[Opinião] Ser Educacional compra Laureate Brasil, dona de Anhembi Morumbi e FMU

Ilustração: Shafin Al Asad Protic/Pixabay

Martim Campos – Redação UàE – 16/09/20

Estamos diante de um cenário da expansão acelerada da financeirização da educação, onde as reestruturações das empresas educacionais, tal como a Cogna Educacional, caminham a todo vapor em busca do aumento de sua margem de lucro com a expansão dos negócios.

Neste domingo (13/09) o Grupo Ser Educacional, que possui boa parte de suas instituições principalmente no Norte e no Nordeste, anunciou a compra dos ativos da americana Laureate International Universities no Brasil, com uma transação avaliada em R$ 4 bilhões segundo Valor Econômico.

Para concluir essa compra ainda é preciso passar pela assembleia geral extraordinária e pelo aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Caso a compra seja autorizada a superconcentração oligopólica ficaria atrás apenas da Cogna, Yduqs e Unip, contando com mais de 455 mil matrículas e receita combinada de R$ 3,4 bilhões.

Com a nova reestruturação das empresas e a Laureate sendo o maior negócio de ensino superior disponível a venda, ofertando cursos de medicina em regiões ricas como São Paulo, há um horizonte de disputa entre outras empresas.

A Yduqs já anunciou na segunda-feira (14/09) a preparação de nova proposta para fechar o negócio. Caso a compra seja feita pela Yduqs a mesma passaria a ser líder do setor educacional, acumulando cerca de 1 milhão de matrículas, ultrapassando a Cogna que hoje possui 844 mil estudantes matriculados.

A Laureate é dona de uma rede global de instituições acadêmicas privadas, com maior concentração na América Latina e Estados Unidos. Sua maior operação atual é a brasileira, dona de instituições de ensino como Anhembi Morumbi e FMU, com o valor da companhia estimado em US$ 2,8 bilhões (R$ 14,95 bilhões) listada na Nasdaq. Na última semana, ela se desfez de uma instituição nos Estados Unidos e da operação que detinha no Chile.

Em entrevista com a Veja, o presidente da Ser Educacional Jânyo Diniz, relata que a aproximação com a Laureate acontece há dois anos, quando em abril de 2019 foi realizada a compra da Uninorte em Manaus. A fala do acionista explicita a preocupação que tantos outros empresários do ramo já manifestaram com suas vendas de produtos, serviços e aplicações financeiras. Em sua fala, Jânyo afirma o adiantamento do lançamentos de produtos como os cursos de durações  curtas:

“Nesse período, nós fizemos algumas mudanças estratégicas, acelerando alguns produtos digitais que lançaríamos só no ano que vem. Nós desenvolvemos cursos que podem ser finalizados em tempo menor, com duração de 12 a 48 meses. Para que essa transição aconteça da melhor forma possível, é necessário se preparar e adquirir novas habilidades e competências, o que só acontece com estudo. O aluno pode fazer, por exemplo, um curso de gestão financeira e outro de gestão de RH ao mesmo tempo em dois anos e escolher qual caminho que quer priorizar na reta final.”

Formações que se encolhem cada vez mais segmentadas em especializações para seguir a ordem de sociabilidade do capital, com o aniquilamento de qualquer sentido universitário com a instrumentalização para a demanda da classe dominante. Na nova reconfiguração os professores são demitidos em massa cada vez mais, como ocorreu dentro do próprio grupo Laureate, em que 90 professores foram demitidos. As tarefas dos professores são permeadas por “missões” e “valores” neoliberais, garantindo a promoção de “habilidades” e “competências” para a docilidade cada vez maior dos estudantes, que perdem quaisquer possibilidades de formular críticas. A fala de Jânyo na entrevista expressa ainda qual é o empecilho para o “sucesso” da modalidade a distância: a capacidade de dedicação e disciplina do aluno, uma vez que o problema seria o “despreparo” para estudar sozinho; e a figura do professor como aquele que incentivaria estudos de véspera das provas. O produto ofertado pelas empresas educacionais não é o problema para Jânyo, nem a maneira como são estabelecidas as relações dentro do modelo – mas a falta de adaptação a ele.

Ao ser perguntado sobre como vai ser o futuro da educação, o acionista responde:

“Imagino que o modelo de educação no futuro será híbrido, em que aquelas disciplinas mais teóricas sejam feitas de forma remota, e aulas práticas sejam feitas de forma presencial. Além disso, o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) se tornará cada vez mais presente. Hoje, já é permitido com que equipamentos, hardwares e softwares sejam capazes de ampliar o potencial de aprendizagem. Ao atrelar a tecnologia aos métodos de ensino, você cria trilhas de ensino individuais, permitindo com que se acelere ou diminua o ritmo  para que o aprendizado seja feito da forma mais adequada possível. No futuro, o uso da tecnologia será intensivo tanto dentro como fora da sala de aula.”

As “trilhas individuais” cada vez mais precarizadas e solitárias sem possibilidades de fazer discussões com colegas. Professores dando lugar ao contato com os bots que responderão automaticamente as demandas dos alunos. O potencial do uso da IA é ampliado considerando a margem de lucros, pois o professor é substituído por elas. Como uma máquina pode ser capaz de identificar o raciocínio feito por um estudante com apenas combinações de algoritmos para identificar palavras chaves? Como se poderia ter uma noção da lógica de pensamento do estudante e de suas compreensões?

Está claro que não é de educação que se trata, mas de negócios. A educação está sendo tratada apenas como produto nas mãos de grandes capitais, que com a crise estão conseguindo uma legitimidade cada vez maior do ensino a distância como modelo de ensino.

*As opiniões aqui expressas são de responsabilidade do autor e podem não representar a opinião do jornal.

Veja também: entrevista com Allan Kenji “Artifícios do capital para a educação” para o UFSC à Esquerda

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