Fonte: UFSC à Esquerda.

[Opinião] Teletrabalho na UFSC: a “solução” cuja consequência é mais precarização e aumento da carga de trabalho

Daniella Pichetti – Redação UFSC à Esquerda – 14/09/2022

O teletrabalho na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) passou a ser mais discutido após a publicação da Portaria 448/2022/GR que instituiu o Programa de Gestão, em conformidade com a Instrução Normativa nº 65 e o Decreto nº 11.072. O programa regulamenta o trabalho remoto em órgãos públicos e federais, com um claro alinhamento político com o governo federal e o direcionamento de precarizar o trabalho e sufocar o funcionamento das Instituições Federais de Ensino Superior (IFEs). O presente texto tem o objetivo de pensar criticamente a função política que o teletrabalho cumpre e como está a discussão a nível local a respeito do teletrabalho.

A Portaria foi publicada às vésperas do fim da gestão de Ubaldo Cesar Balthazar e a nova gestão, representada por Irineu Manoel de Souza e Joana Célia dos Passos, criou um grupo de trabalho para debater a implementação do programa. Em entrevista coletiva do mandato, responderam que o compromisso da gestão é implementar o teletrabalho o mais rápido possível. No entanto, ainda não há encaminhamento de implementação definido.

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As normativas que regulamentam o teletrabalho permitem que servidores da UFSC possam trabalhar fora do ambiente físico da instituição, totalmente remoto ou em formato híbrido. A implementação está amparada em argumentos de que irá “contribuir com a redução de custos do poder público”, “estimular o desenvolvimento do trabalho criativo, da inovação e da cultura de governo digital”, “melhorar a qualidade de vida dos participantes”, entre outros pontos extraídos diretamente do texto da Instrução Normativa nº 65.

Não é preciso fazer uma investigação aprofundada do cenário político e econômico para logo se deparar com os cortes orçamentários nas IFEs brasileiras, estrangulando o funcionamento destas e impedindo a contratação de novos professores e técnicos-administrativos em educação (TAEs), a ampliação de vagas nos cursos, realização de reformas estruturais nos campi, etc. Vale lembrar que a maior universidade pública do país, a Universidade de São Paulo, perdeu 1.103 docentes desde 2014 de acordo com o levantamento realizado pela Associação dos Docentes da USP (Adusp).

Os efeitos dos bloqueios orçamentários são sentidos cotidianamente pela comunidade acadêmica. Frente a isso, as classes dominantes apresentam seus projetos: cobrança de mensalidade nas universidades, demissão em massa de trabalhadores terceirizados, hibridização do ensino e paralisação de obras estruturais. Todo um conjunto de ações que põem em marcha uma reforma educacional de forte caráter ideológico e que abrem ainda mais as portas para a lógica privatista no interior das instituições de ensino.

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É nesse contexto que apresenta-se a necessidade de regulamentar o teletrabalho: ele é assim oferecido como uma solução, mas uma solução que apenas é paliativa e falaciosa na medida em que acentua a exploração dos trabalhadores. No entanto, tem sido defendido por trabalhadores que se veem em dificuldades para realizar o deslocamento diário da casa até a universidade; que precisam pagar valores altíssimos de aluguel com a especulação imobiliária; para docentes e técnicos que estão sobrecarregados com as duplas e triplas jornadas de trabalho, entre outros fatores. Sem resolver ou apresentar saída para todos os problemas subjacentes que tornam o trabalho remoto uma possibilidade e agravam as condições de vida da população, este é apresentado como a alternativa mais plausível nesse contexto.  

A comunidade acadêmica, no entanto, não tem debatido com rigor todas as consequências dessa medida na lógica de trabalho. Na prática, o teletrabalho implica que os custos pelos instrumentos de trabalho serão pagos com o dinheiro do próprio servidor, deslocando uma responsabilidade institucional, da Universidade, para o âmbito individual do trabalho executado pelos servidores. Essa lógica de um plano de gestão que controla as entregas pode acarretar em intensificação do trabalho, ao contrário do que é prometido nas normativas que falam em flexibilização, podendo borrar os limites entre o trabalho e as relações familiares e estender a jornada de trabalho.

Além disso, com o afastamento físico dos servidores no teletrabalho, a tendência é não haver mais compartilhamento efetivo das condições de trabalho no dia a dia. Essa proximidade é o que propicia a criação de laços de solidariedade tão fundamentais para a organização política de professores, estudantes e TAEs. Afastados no modelo virtual de trabalho, como já foi possível experienciar durante momentos mais críticos na pandemia com o ensino remoto emergencial, fica substancialmente fragilizada a mobilização dos trabalhadores. Outro problema central é a necessidade de melhoramento e ampliação da infraestrutura do câmpus universitário; com o trabalho remoto, esses espaços físicos serão ainda mais sucateados.

Há, ainda, a possibilidade futura de extinção de funções de TAEs reduzindo gradativamente sua relevância nas universidades e substituindo-os por processos cada vez mais automatizados mediados por plataformas digitais na educação.

Em assembleias e reuniões ampliadas, escuta-se desses servidores uma acolhida do programa tendo em vista as facilidades que promoveria em um contexto onde a permanência de trabalho no ambiente físico da universidade está dificultada. Os estudantes parecem ainda mais alheios ao debate, apesar de que o teletrabalho também os afeta: mudará o caráter do vínculo com os TAEs, irá alterar o cotidiano. No âmbito pedagógico, o teletrabalho é nefasto e traz graves consequências para o ensino e extensão, como as entidades estudantis e docentes vem apontando há mais tempo. 

O regime de teletrabalho prepara o terreno para acentuar a exploração do trabalho com custos mais baixos. A reitoria, assim, ao concordar em dar continuidade ao Programa de Gestão, ocupa a posição de gerir a grave crise a que estamos submetidos ao invés de pensar e propor outras saídas que não prejudiquem ainda mais os trabalhadores. Além disso, recentemente foi aprovada a Medida Provisória 1.108/22 que estabelece novas medidas para a regulação do trabalho formal no país, trazendo mudanças significativas em relação ao pagamento do auxílio alimentação e a facilitação do teletrabalho. 

Hoje, 14/09, o Sindicato de Trabalhadores em Educação da UFSC (SINTUFSC) convoca os trabalhadores para debater o teletrabalho em assembleia prevista para iniciar às 13h30 no hall da reitoria. O movimento de defesa da categoria e da própria existência da universidade como a conhecemos está em jogo contra o imediatismo de resoluções parciais de demandas, quando deveriam voltar sua energia para a recomposição orçamentária e reposição salarial, entre outras demandas econômicas do país e de organização urbana da cidade.

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