Martim Campos e Nina Matos – Redação UFSCàE – 14/07/2023
Esta foi a última semana letiva do semestre para a graduação na UFSC. Neste semestre parecia ter um certo indício de que mesmo sob as condições terríveis em que a universidade se encontra hoje e o custo de conseguir acessá-la (precarização das estruturas dos prédios, alto custo de vida em Florianópolis, falta de momentos de integração e lazer acessíveis, uma política de permanência ao redor da cidade universitária e aluguéis em seu arredores cada vez mais exorbitantes).
Evidentemente, essa universidade não é o ideal para aqueles que lutam por uma sociedade mais justa — e por isso, a aparente normalidade do cotidiano ainda pode ser sacudida. Para aproximar aquilo que almejamos da universidade com o que é, não só as ocupações estudantis são resumidas aos trabalhos e avaliações — ainda que com frequência isso ocorra. A possibilidade de construção coletiva dos espaços, e não uma experiência individual com sua grade curricular, transforma a relação do sujeito com sua vivência universitária: sair de seus pequenos anseios individuais para a compreensão de que participar de uma universidade é também dividir a responsabilidade de construí-la e pensar em um outro projeto de sociedade que atenda nossos anseios de mudança social é ainda algo possível nessa instituição. Mas as respostas não estão prontas frente às inúmeras demandas, e precisam ganhar movimento a partir de reuniões nas entidades, dos movimentos ampliados, de articulação, planejamento e organização das ações a serem tomadas diante de uma pauta específica ou um conjunto delas que ampliem a capacidade de integração do corpo estudantil.
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Qual o balanço possível de ser feito da experiência que tivemos neste semestre? Essa pergunta é crucial para que possamos firmar os pés nas decisões que teremos de tomar, com mais segurança daquilo que a história mostra que funciona ou não e das implicações possíveis de cada ação. Enquanto jornal, acompanhamos e registramos alguns momentos relevantes — e notamos as faltas de outros. Agora, há o trabalho de juntar tais fragmentos e compor o quadro maior, que indique qual percurso estamos fazendo e em qual direção.
As lutas por estrutura e outras pautas
As discussões sobre a estrutura da universidade já vislumbravam um espaço privilegiado desde o primeiro dia de aula, quando iniciaram as obras da reforma do Centro de Ciências da Educação (CED). Sendo um dos Centros mais antigos da universidade, o CED não via uma reforma há muitos anos — tendo sido reivindicado pelas estudantes e por demais membros da comunidade do Centro. Ainda em março, estudantes do curso de Cinema iniciaram uma mobilização em torno da precariedade dos laboratórios do curso, além dos cortes nas bolsas
estudantis. Ao passo que os estudantes evidenciavam as péssimas condições de estudo e produção científica na universidade, um conjunto de professores buscou se apropriar dessas pautas para reivindicar seus próprios projetos de universidade dentro dos órgãos de deliberação da UFSC — como o Conselho Universitário (CUn).
Dentro dessas reuniões, a defesa era de que a saída para a crise universitária estaria em vender a própria universidade — não de forma aberta, com um processo de privatização que levasse esse nome, mas efetivamente inserindo a universidade em uma lógica empresarial, a partir de parcerias com iniciativas privadas, com os laboratórios de pesquisa e as produções da comunidade acadêmica voltando-se para a captação de recursos para a universidade — isto é, vender o conhecimento aqui produzido, como pela via das patentes, por exemplo.
As questões sobre a estrutura da universidade seguiram protagonista das principais mobilizações estudantis, quando, por exemplo, uma lâmpada despencou em uma estudante no Centro de Comunicação e Expressão, que levou estudantes das Artes Cênicas a fazerem intervenções na reitoria, com aulas e espaço aberto para falas, em denúncia das péssimas condições estruturais, que impactam incisivamente na experiência da vida universitária.
Dentre todas as mobilizações em torno dessa questão, os estudantes do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas demonstraram vigor em sua mobilização. Com a organização dos Centros Acadêmicos (CAs) dos cursos de Física, Matemática, Oceanografia, Química e Meteorologia (respectivamente CALF, Calma, CaO, CALQ e Calmet), as mobilizações da base foram ganhando corpo em cada assembleia que tratava dos problemas enfrentados em seu cotidiano.
A partir da notícia da demolição dos Blocos Modulados (chamados também de “Labirinto”), as sedes das entidades estudantis foram realocadas para um espaço tão insalubre quanto o atual, nos fundos do que resta hoje a parte antiga do Centro de Ciências Biológicas (CCB). Isso sem que os estudantes fossem sequer consultados, sendo apenas informados de uma decisão tomada em um Grupo de Trabalho. Desse momento em diante, os estudantes do CFM passaram a tomar pelas mãos tanto o destino de suas salas dos CAs, como também sustentaram um projeto para novas salas e para a própria construção do novo espaço do CFM.
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Das discussões gerais de assembleias, uma carta de reivindicações foi construída para ser entregue em ato até a reitoria; uma passeata noturna foi realizada com o Reitor para mostrar as dificuldades de acesso e segurança dos estudantes além de reuniões que foram exigidas para pressionar a reitoria a comprometer-se com suas pautas. O esforço e elaboração política desses estudantes foi carregado de ânimo e disposição para lutar por uma pauta que precede o próprio tempo destes estudantes na universidade. Você pode conferir alguns registros e textos escritos no jornal sobre a movimentação dos estudantes do CFM neste semestre.
A reivindicação de estruturas na universidade também foi central na pós-graduação diante do avanço da discussão sobre o ensino remoto. Neste semestre, retornou o parecer de vistas feito pela Associação da Pós-graduação (APG) no Conselho Universitário (CUn) da Resolução Normativa (RN) que regulamenta o ensino síncrono e assíncrono na pós-graduação.
A entidade, que busca discutir essa pauta desde o começo de sua tramitação em 2022, elaborou um parecer de vistas e carta de manifestação contrária a essa Resolução. Dentre as questões levantadas pela entidade, aponta-se que essa é uma política educacional pouco criteriosa, realizada sem avaliações político-pedagógicas e com ausência de debates em sua construção. Além disso, por que em um momento onde retornamos presencialmente para a universidade está sendo priorizada uma minuta que dispõe sobre o ensino híbrido, com problemas estruturais tão graves em nossa instituição?
Ao longo dos meses em que a entidade foi realizando atividades para a comunidade acadêmica ter contato com essa proposta e discuti-la, publicamos no jornal diversos textos sobre essa questão que você pode conferir aqui. Em termos gerais, a Normativa regulariza a possibilidade de aulas híbridas na pós-graduação, com base em artigos científicos de caráter experimental e resoluções da CAPES.
O parecer da entidade foi apresentado no conselho e, apesar das contraditoriedades apresentadas, a maioria dos votos no CUn foi desfavorável ao parecer de vistas da APG, em especial por parte dos conselheiros docentes. Após a votação, a indicação é que o debate da RN retorne para os Centros de Ensino para ganhar novos destaques, para que então retorne novamente ao CUn e a proposta seja votada. O retorno da própria RN para o debate nos colegiados é a expressão de quanto as discussões sobre o ensino remoto na pós ficam mais concentradas a portas fechadas ou ainda nem ocorreram mesmo após um ano de tramitação da normativa.
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Também houve a eleição para a representação dos Servidores Técnicos Administrativos em Educação (TAEs) nos conselhos da UFSC, o qual foram eleitos candidaturas que se reuniram para formar um grupo de candidatos “Compromisso com TAES – Conselhos 2023-2025”. Dentre os compromissos da chapa, estão a defesa do HU, 30h para todos, defesa da universidade pública, luta por melhores condições de trabalho e teletrabalho seguro para todos. A atuação dos TAEs conselheiros tem sido ativa e enérgica, apresentando suas posições e críticas nas sessões do CUn, relembrando inclusive a necessidade da defesa cada vez mais avançada da universidade pública e das condições de trabalho para aqueles que trabalham nela.
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Diferente dos servidores da UFSC que possuem estabilidade em seus cargos, os trabalhadores terceirizados vem sofrendo cada vez mais por conta das ameaças de seus salários, além da grande sobrecarga de trabalho. Em entrevista feita em março para o UFSCàE, foram diversas ocorrências de descumprimento da empresa com os trabalhadores, que vão desde atrasos até não pagamento de vale-transporte e vale-alimentação. Nos meses de março, abril e junho de 2023, os funcionários responsáveis pelos serviços básicos da Universidade, como limpeza e recepção, têm realizado greves para conseguir reivindicar seus salários em dia. Um ato de repúdio contra as demissões da D&L foi realizado no início deste mês (03), que foram todas revertidas.
DCE
Em abril, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) puxou um Conselho de Entidades de Base (CEB) para discutir a situação do Restaurante Universitário (RU) e a Comissão da Verdade da UFSC. Desde essa época, as pautas centrais da entidade foram a plenária em maio com a apresentação da Resolução da Minuta de Festas, que teve início no ano passado. De lá pra cá não houveram mais CEBs, apesar das intensas mobilizações estudantis fervilharem na universidade, essas discussões pouco foram coletivizadas entre os demais CAs e até mesmo por parte do DCE. Por qual motivo não houveram CEBs para discutir as estruturas da universidade, o parco orçamento, os caminhos para uma luta possível?
Apesar de serem as apostas do DCE para o semestre, tanto a Minuta de Festas quanto a pauta do RU não foram capazes de mobilizar o conjunto dos estudantes. A baixa participação estudantil nos espaços que promoveram durante todos esses meses, em paralelo aos demais espaços de discussão e mobilização, protagonizados pelos CAs do CCE e do CFM, demonstram o equívoco que foi cometido ao não priorizar a participação nos espaços onde a base estudantil se concentrava — criando uma situação onde o DCE, a vanguarda estudantil, se descolou do conjunto que lhe proporciona legitimidade.
Uma expressão desse descolamento, a fim de ilustrar as prioridades tomadas pela atual gestão do DCE, foi quando, mesmo tendo conhecimento do chamado de Assembleia Geral do CFM para o dia 4 de maio, o DCE marcou para o mesmo dia e horário uma Plenária do DCE para discutir a Minuta de Festas. Na Assembleia, que contou com a presença de mais de cem pessoas, apenas um membro da gestão esteve presente enquanto DCE — ao passo que a Plenária se manteve esvaziada em participantes e discussão.
Uma entidade geral como o DCE poderia ter contribuído incisivamente com o avanço das lutas por estrutura ao congregar os estudantes de diferentes cursos, ao realizar espaços ampliados para qualificar as mobilizações, até mesmo poderia ter pressionado a partir do CUn que os conselheiros se debruçassem sobre esses problemas.
Todas essas ações trariam uma integralidade para o debate — pois as questões da estrutura da universidade, sentida em cada Centro, em cada prédio, não é própria de um Centro ou prédio
específico, mas sim expressão de um problema muito maior, que diz respeito ao sucateamento dessa instituição, de formas de produzir engessamento de sua capacidade crítica — que denota justamente o quão relevante é lutar por ela, pois não seríamos alvo de ataques tão frontais se a universidade não tivesse a capacidade de produzir subversão suficiente para desafiar as bases, as estruturas de uma forma de produzir riqueza que nos oprime e que deve ser derrubada.
As lutas recentes dos estudantes da UFSC pela condição estrutural da universidade nos mostram que os estudantes não estão cansados, ou não veem sentido nas lutas por um projeto de universidade — mas que, entre outros fatores, existe um abismo político por conta de uma gestão que está apenas sentada no DCE, sem de fato contribuir em uma maior capilarização das lutas.
É necessário lembrar: conforme um texto escrito em 2022, “em 10 anos de eleições para o DCE, temos a porcentagem de participação mais baixa da série histórica e que elegeu uma gestão que mantém a maior parte do arco de alianças entre partidos e organizações que estiveram na gestão da entidade nos últimos quatro anos – visto que a gestão anterior, alegando as dificuldades trazidas pela pandemia, conseguiu estender sua gestão durante todo esse período”.
Eleitos em meados de julho, a atual gestão do DCE se estende mais uma vez, empurrando para o próximo semestre as eleições por simplesmente não ter iniciado as discussões sobre Comissão e Regimento Eleitoral. Neste mês de julho, as forças das organizações que compõem o DCE atualmente se voltaram à construção das chapas para o Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE). E mesmo com as forças direcionadas para isso, o resultado dessa última eleição de delegados foi expressamente baixa no número de votantes total. O próprio DCE, sem passar pelas instâncias superiores para decidir a extensão da atual gestão, poderia muito bem ter convocado um CEB para apresentar essa extensão como proposta — e provavelmente seria aceito o adiamento do processo eleitoral. Mas a forma burocrática de lidar com a política está expressa nas faltas e ausências desta entidade tão importante.
É preciso manter viva a memória das nossas lutas, afinar nossas avaliações e críticas para que neste próximo semestre que esta por vir, o qual será bastante importante por conta das novas eleições de CAs, do DCE, de continuidade das mobilizações que foram iniciadas neste semestre que se encerrou. Que possamos renovar nosso vigor! Boas férias, bom descanso e boas reflexões para todos aqueles que se empenharam nas lutas!
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