Amanda Alexandroni e Julia Vendrami *- Redação UFSCàE – 14/07/2022
Hoje é o último dia de votação para as chapas que concorrem às eleições para ocupar a próxima gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Quatro chapas concorrem às eleições, com programas distintos para a universidade. Neste texto, buscaremos expor as propostas específicas das chapas para a questão da moradia para os estudantes, tendo em vista que a alta no preço dos aluguéis e a baixa quantidade de vagas na moradia estudantil têm agravado as dificuldades dos estudantes de se dedicarem à formação universitária, tornando muitas vezes inviável a continuidade dos estudos. Em seguida, dissertaremos um pouco sobre as propostas apresentadas.
Aproveite para conferir os textos que o UFSCàE já produziu sobre a questão da moradia em Florianópolis:
Estudantes devem voltar às aulas com bolsas congeladas e aluguéis mais caros
O preço dos aluguéis em Florianópolis
A política imobiliária em Florianópolis: que luta travar?
Para a realização deste texto, buscamos como fonte os materiais públicos de campanha – físicos e das redes sociais – e uma declaração de uma pessoa de cada chapa sobre o tema, uma vez que, do nosso ponto de vista, o assunto foi tratado de forma sucinta nos materiais de campanha.
- Quais são as propostas das chapas?
A Chapa 1: Pra virar o Jogo é composta por militantes da Juventude Revolução (JR, do PT). Buscamos contato com eles por meio das redes sociais oficiais desta, uma vez que não encontramos os membros panfletando na frente do Restaurante Universitário (RU) como as demais chapas. Contudo, até o momento da publicação deste texto, a chapa não havia respondido ao nosso convite.
Não encontramos um programa estruturado pela chapa. Em sua rede social, que possui apenas duas publicações, a menção sobre a questão da moradia se dá uma única vez, com o seguinte texto:
“Não nos contentamos com o número de vagas na moradia estudantil no campus Florianópolis ou com a inexistência de moradia estudantil nos demais campi. Não nos contentamos com o número de bolsas de permanência e com o número de refeições no RU. Precisamos garantir mais: mais bolsas, mais moradia, mais refeições, mais permanência!”
Já a Chapa 2: Para mudar o DCE é formada por militantes da União da Juventude Socialista (UJS, do PCdoB). Na rede social, a chapa defende que haja moradia estudantil nos demais Campi, já que apenas em Florianópolis existe essa política.
Em declaração ao UFSCàE, Letícia Lis, estudante de Farmácia e militante da UJS, afirmou:
“Defendemos a ampliação e reforma da moradia estudantil, pois hoje a moradia tem poucas vagas para a população da universidade e ainda se encontra de forma precária, defendemos também ampliação dos auxílios de aluguel, tanto no sentido do aumento do valor, como na disponibilidade de mais auxílios moradia.”
A Chapa 3: É tudo pra ontem, conta com membros do Movimento Correnteza (UP) e Juntos! (PSOL).
“Para os estudantes que não podem pagar um aluguel, não só é muito difícil conseguir vaga na moradia estudantil, como as condições internas estão extremamente precárias. Diariamente recebemos todos os dias denúncias sobre o espaço físico e até violências que ocorrem cotidianamente por parte da própria UFSC.”
Além disso, a chapa também inclui a construção da moradia indígena no programa:
“É pra ontem a construção da moradia indígena e a reforma de um local que possa ser seguro e adequado ao acolhimento desses estudantes enquanto a moradia definitiva não fica pronta!”
A chapa também defende a participação de representantes do DCE na construção dessas políticas.
Matheus Menezes, estudante de Ciências Sociais e militante do Correnteza/UP, afirmou para o jornal que o entendimento da chapa é que o DCE deve servir para fazer luta e mobilização. Segundo ele, a chapa teria como prioridade a defesa da permanência estudantil, e, dentro disso, a luta por moradia.
Sobre a moradia indígena, eles entendem que um aspecto fundamental é o estabelecimento de diálogo com os estudantes indígenas antes de implementar qualquer política. Segundo ele, os próprios indígenas afirmaram à chapa que jamais conseguiram estabelecer um diálogo com gestões anteriores do DCE acerca desse tema. Eles acreditam ser importante tirar uma “linha conjunta” com esses estudantes para orientar um calendário de mobilizações pela construção da moradia estudantil indígena e a organização de medidas emergenciais enquanto a moradia estudantil indígena não é construída. Além disso, entendem ser necessário utilizar das cadeiras de representação para fazer a defesa da moradia estudantil indígena.
A respeito da moradia estudantil no Campus Trindade, ele afirmou que o espaço hoje enfrenta problemas de ordem estrutural e de ordem política, tanto no sentido da democracia na moradia quanto na relação com o DCE. No tocante às questões estruturais, há problemas de acesso à água, segurança, entre outros. Sobre a democracia, ele afirmou que os estudantes muitas vezes sofrem represálias da PRAE ao tentarem solucionar os problemas e, além disso, não possuem uma proximidade com o DCE, que não se fez presente na articulação entre as pautas da moradia estudantil com a entidade. Como chapa, ele propõe realizar um dossiê sobre a situação atualizada na moradia, a construção de mobilizações a partir disso e que o reitor e vice-reitora da UFSC sejam levados a conhecerem o espaço para conhecer as demandas estudantis.
Acerca dos demais campi, Matheus afirmou que defendem a realização de viagens periódicas para as outras cidades e, a partir disso, o estabelecimento de comissões de apoio para organizar as demandas. Defendem a construção das moradias nessas localidades e, para isso, a realização de audiências públicas.
Ele finaliza reforçando a centralidade desta pauta para a Chapa 3.
Por fim, a Chapa 4: só a luta muda a vida, é composta por diferentes partidos — como a Juventude Comunista Avançando (JCA, do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes), o Afronte, o Alicerce, as Brigadas Populares (BP) e a Juventude Manifesta , do PSOL e a União da Juventude Comunista (UJC, do PCB). Essas organizações compunham a gestão anterior do DCE.
No programa da chapa, é citado que a universidade está no meio urbano e que os campi são um espaço extensivo da rua e portanto, fazem parte da luta pelo direito à cidade. Também defendem a “reforma da Moradia Estudantil do campus central, avanço na elaboração sobre moradia nos demais campi,” e, ainda, “o uso de outros prédios da UFSC para moradia e pela devida estruturação da moradia estudantil indígena”. A chapa pauta a integração do DCE com as lutas da cidade e, dentro da UFSC, a ocupação do Conselho de Moradia.
A chapa ainda fez um vídeo sobre a Maloca, a provisória moradia estudantil indígena, que está em situação extremamente precária.
Luna, estudante do cinema e militante da UJC, afirmou em nome da chapa:
“Para o campus Trindade, entendemos que há uma grande demanda por vagas, algo que tem sido pautado pelas organizações que compõem a chapa desde a construção do programa de chapa da Reitoria do professor Irineu e da professora Joana. Há mais de 30.000 estudantes neste campus e somente 167 vagas, e ainda há leitos vazios por excesso de burocracia. É urgente na região da Grande Florianópolis, onde os aluguéis são altíssimos e explodem ocupações urbanas que inclusive estudantes fazem parte, que a reitoria seja pressionada pelo DCE para fazer o que foi colocado no programa eleito e aumentar as vagas e agilizar o processo de preenchimento delas.
Para isso, pode-se destinar prédios da UFSC abandonados e sem utilização, tanto no campus quanto pela cidade de Florianópolis, para moradia estudantil. Além disso, é essencial disputar a verba já corrente na UFSC para que seja destinada para políticas de permanência como moradia e também travar as lutas nacionais junto de demais universidades contra os cortes e contingenciamentos de recursos para instituições de ensino federais.
Uma demanda mais específica e antiga do campus Trindade é também a moradia estudantil indígena, onde o movimento vive desde 2016 na ocupação da Maloca, no antigo prédio do RU abandonado em 2012.
Além disso,
“Elaboramos também sobre a necessidade de ocuparmos as cadeiras do DCE junto ao Conselho da Moradia e a necessidade de expandirmos o espaço de diálogo dessa instância com os órgãos da reitoria e os espaços do Movimento Estudantil. Ademais, é preciso repensar a lógica de ocupação do PAEP e os conflitos violentos, muitas vezes por parte de repressão da PM, com a ocupação irregular por pessoas que são assistidas pelos próprios moradores, chegando desamparadas pelo Estado e pela universidade.
Ainda, quanto aos campi, o debate segue nessa esteira, sendo necessário combater a lógica dos altos aluguéis e pensar políticas de moradia próxima à universidade, pois também se encara forte dificuldade de mobilidade em todos os demais campi. Precisamos impulsionar a autonomia das bases regionais e sua articulação coletiva junto ao ME do campus central para disputar verbas, nosso envolvimento em projetos de contenção de novas moradias e mesmo de reparo e disputas gerais sobre a estrutura dos campi, superando os aluguéis de prédios, a inserção em parques industriais, e então garantindo espaços próprios da UFSC e que permitam a instalação salubre de estruturas para moradia, lazer, integração etc.”
- Acerca das propostas
Após essa breve exposição sintética da proposta das chapas acerca do problema que optamos debater neste texto, podemos discutir algumas questões.
Em primeiro lugar, todas as chapas defendem em seu programa a ampliação do valor do auxílio moradia ou bolsa permanência, que na prática é utilizada pelos estudantes principalmente para pagar aluguel. Analisando a situação do ponto de vista do estudante, o aumento da quantidade e valores dos auxílios e bolsas aparece como a única possibilidade de morar nos arredores da UFSC e permanecer estudando, dado o aumento exponencial dos aluguéis na cidade de Florianópolis. Contudo, quando analisamos a situação do ponto de vista do fluxo do dinheiro, percebemos que essa é uma forma de transferir recursos públicos diretamente para o bolso dos proprietários de imóveis da cidade.
Um campus universitário como o da Trindade, movimenta o seu entorno de uma forma tão significativa, que forma um pólo favorável à especulação imobiliária. Os custos da Universidade são distribuídos socialmente, mas os benefícios são apropriados de forma privada. Ou seja, os proprietários conseguem alugar mais caro porque o imóvel está nas proximidade do campus, e essa situação só contribui para o enriquecimento daqueles que já possuem capital.
Por consequência, a construção de prédios torna-se somente um investimento imobiliário no qual os proprietários demandam uma lucratividade cada vez maior e os auxílios se tornam uma garantia de que esse investimento seguirá dando um retorno favorável aos investidores, mesmo com a crise e precarização das condições de vida da classe trabalhadora.
Analisando dessa maneira, o aumento da quantidade e do valor dos auxílios pode inclusive dar mais margem para aumento dos valores de aluguel nos arredores da universidade. O efeito é oposto ao da construção de moradias estudantis, que pressionam a diminuição dos preços dos aluguéis. Por isso, para além da defesa dos auxílios, seria importante que as chapas pensassem em alternativas que de fato enfrentasse o grave problema especulativo dos arredores da UFSC.
No movimento estudantil, é unânime a necessidade de ampliação da moradia estudantil, que atualmente abrange apenas 167 estudantes de toda a universidade, excluindo os alunos dos campi. Todas as chapas defendem ampliação da moradia estudantil e a necessidade de reforma dos prédios. Hoje, os/as alunos/as vivem em condições insalubres nesses prédios, o que interfere diretamente na possibilidade de estudar com qualidade.
Temos acordo com a centralidade da reivindicação pela ampliação das vagas de moradia estudantil. Essa é uma pauta histórica do movimento estudantil da UFSC. Contudo, apesar dessa importância, não aparece nas cartas programas, nas declarações ou nos debates de que forma poderia ser viabilizado isso. Apresenta-se que é necessário lutar pela ampliação e disputar o orçamento, mas não fica evidente quais espaços poderiam ser destinados à moradia. Quais prédios da universidade poderiam ter esse fim? Qual seria o investimento necessário? De onde viriam os recursos necessários para as reformas? Os elementos mais concretos dessa disputa não aparecem, o que passa a impressão de que a pauta aparece na campanha, mas que nenhuma das chapas têm a intenção de radicalizar e levar adiante essa luta.
Talvez se argumente que em uma campanha não há tempo hábil para esse tipo de análise. Porém, a pauta já é discutida a muitos anos pelo movimento estudantil e pelas organizações que disputam agora o DCE, e não parece haver nenhum avanço nas formulações e na busca por informações que deem mais concretude ao debate sobre moradia.
Além disso, temos críticas sobre como essa defesa se apresenta, muitas vezes, desarticulada das demais lutas da cidade, como se a pauta da moradia na UFSC estivesse desvinculada das contradições urbanas na qual ela se insere, a ponto de serem apresentadas propostas que favorecem a especulação imobiliária ao invés de combatê-las. A violência em um espaço urbano como Florianópolis é tão grande que em 2016 estudantes que não tinham onde morar na cidade chegaram a ser expulsos da moradia estudantil, violência documentada pelo UFSCàE.
Com exceção da chapa 4, que faz menções um pouco mais diretas aos problemas urbanos e sua relação com a política de moradia para estudantes da universidade, nenhuma outra chapa relaciona esses dois elementos, dando a entender que são lutas separadas. Entretanto, essas afirmações aparecem como uma incoerência quando vindas dessa chapa, já que é uma chapa de continuidade, que ao longo dos quatro últimos anos, nada fez pela luta por moradia no Campus e fora dele.
Aliás, essa cisão entre lutas por moradia na universidade e fora dela aparecem na própria atuação dos partidos que compõe essas chapas. Muitos dos partidos que compõe as chapas – como PCB, UP, Alicerce, Brigadas Populares – participam de mobilizações acerca da revisão do plano diretor da cidade e da construção de ocupações urbanas aqui e nas cidades em volta. Contudo, os debates sobre as formas efetivas de combater a especulação imobiliária e as tentativas de gentrificar cada espaço dessa cidade sequer aparece nas eleições do DCE – e não aparecerem na última gestão.
Por isso, convidamos as chapas que concorrem ao DCE a os estudantes a pensarem em propostas alternativas para esse dilema da moradia dos estudantes.
Poderia ser proposto, por exemplo, aproveitando as discussões sobre o plano diretor de Florianópolis, um zoneamento específico para os arredores dos campus universitários. Os proprietários de mais de um imóvel nesses locais poderiam ser taxados de uma maneira específica, e o dinheiro revertido na construção de moradias estudantis. Alguns desses proprietários possuem mais de 100 imóveis nos arredores do campus, segundo informações dos trabalhadores de imobiliárias, e seguem lucrando muito dinheiro às custas da universidade e das famílias da classe trabalhadora que fazem de tudo para manter seus filhos estudando.
Não seria esse o papel do DCE neste momento? Ser capaz de articular as demandas que aparecem como específicas do corpo estudantil mas que dizem respeito aos conflitos da cidade?
Precisamos de criatividade e de ousadia no movimento estudantil, para conseguir propor o que nenhum outro segmento consegue, para não passar anos repetindo os mesmos motes e frases de efeito, e para que a disputa entre as chapas do DCE não seja centrada em ataques ao invés de projetos políticos.
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